Notre Dame restaura sinos destruídos pela Revolução Francesa


03/06/2013

Marcelo Dufaur

 Paris acolhe com alegria, enlevo e veneração os novos sinos de sua catedral gótica.


A fundição tradicional, Cornille Havard fez os sinos para Notre-Dame local
Uma multidão estimada em 30 mil pessoas pela polícia (que habitualmente minimaliza as manifestações católicas) lotou no Domingo de Páscoa a praça da catedral de Notre Dame e as ruas vizinhas, para ouvir a primeira reboada oficial dos novos sinos. Nessa mesma data, 850 anos atrás, na presença do Papa Alexandre III, o bispo D. Maurício de Sully colocava a primeira pedra para a construção daquela grandiosa catedral dedicada a Nossa Senhora.

Os sinos originais foram destruídos barbaramente pela Revolução Francesa em 1792, com exceção de um, batizado com o nome “Emanuel”. No século XIX, Napoleão III mandou preencher com sinos de menor qualidade e carentes de afinação o vazio, a ponto de os especialistas dizerem que se tratava do pior conjunto de sinos da Europa.

Por ocasião de sua bênção ritual os sinos recebem nomes que são gravados no seu bronze. O “Emanuel” foi doado há mais de 300 anos pelo rei Luis XIV e pesa 13 toneladas.

“Espírito pós-conciliar” opunha-se aos sinos

Embora se dispusessem do desenho dos sinos originais e das partituras dos carrilhões, quem os faria? Haveria ainda mestres que continuassem o antigo ofício nascido na Idade Média?

A maior dificuldade à existência dos sinos — símbolos da riqueza, do domínio e do poder da Igreja Católica — provém da oposição de um falso miserabilismo e pseudo-espírito de pobreza, em decorrência do qual deixou-se de tocá-los. Em alguns casos eles foram substituídos por gravações eletrônicas dessacralizantes e artificiais.

Neste terceiro milênio, após décadas de incansável pregação progressista contra a venerável imagem da Igreja hierárquica, rica e sacral, haveria alguém que quisesse financiar os novos sinos da catedral de Notre Dame?

Apesar de em princípio nenhuma objeção progressista ter consistência para o católico, décadas de propaganda do chamado “espírito pós-conciliar” espalharam uma atmosfera de descrença e respeito humano em relação a hábitos sacralizantes e louváveis como o toque de sinos.

Entusiasmo dos fiéis

Em Villedieu-les-Poèles, cidadezinha da Normandia, uma fundição tradicional — a Cornille Havard — ainda utilizava os velhos métodos de produção dos sinos, técnicas ancestrais que remontam à Idade Média e que poderiam dar vida a réplicas fiéis. Quando se soube do projeto, um entusiasmo que raiava à loucura empolgou mestres e operários, segundo Paul Bergamo, presidente da fundição.

A emoção, a alegria e a veneração tomaram conta de Villedieu-les-Poèles quando um dos sinos, já sobre a carreta, foi tocado em homenagem aos fundidores. O veículo partiu em meio aos aplausos dos populares.


Os sinos chegam à catedral

Por sua vez, a Fundição Real Eijsbouts, da Holanda, encarregou-se de fazer o bourdon (sino de tamanho excepcional), batizado “Marie”, cujos custos foram cobertos com doações de particulares.

A chegada dos novos sinos a Paris, no dia 31 de janeiro de 2013, foi uma apoteose. As autoridades montaram uma arquibancada para o povo que queria vê-los. Na realidade, durante uma viagem de mais de 300 km, o transporte dos sinos deu origem a uma série de acontecimentos: na autoestrada, as pessoas aguardavam sua passagem de cima das pontes; em Paris, o serviço de segurança teve trabalho especial por causa da multidão — aliás, ordeira e respeitosa — que assistia os braços mecânicos descerem os imensos sinos. “Emanuel”, o venerável bourdon do rei Luis XIV, o único dos sinos que escapou da sanha dos revolucionários, recebeu seus futuros “irmãos” de campanário tocando sozinho.

Eles só foram exibidos a partir da bênção solene, ocorrida no dia 2 de fevereiro (sobre o significado, efeitos e importância desta bênção, ver ao lado o quadro a explicação de Mons. Gaume). Os sinos se fizeram ouvir pela primeira vez em 23 de março, véspera do Domingo de Ramos, ainda em fase de teste. O primeiro toque oficial foi o “Grand Solemnel” no Domingo de Páscoa, diante de uma multidão emocionada e entusiasmada e exultante.

“O som dos sinos simboliza a presença de Deus na cidade — comentou um parisiense —, porque seu som é como o próprio Deus: é a suma beleza”.

“Com o som dos sinos é todo o Universo que se põe em movimento”, acrescentou uma senhora presente na catedral.

— Faith Fuller, turista de São Francisco (EUA), não pôde conter as lágrimas: “Isto representa 850 anos de história de uma catedral fantástica e eu estou neste momento histórico ouvindo os sinos pela primeira vez. É emocionante e belíssimo”, narrou à rádio oficial alemã “Deustche Welle”.

“A ideia foi recriar um conjunto de sinos tão magnífico quanto aquele que havia antes da Revolução Francesa”, declarou Paul Bergamo à “Deustche Welle”.

“Os sinos são uma das vozes da catedral porque ecoam a glória de Deus”, acrescentou o reitor-arcipreste da catedral, Mons. Patrick Jacquin.

Segundo Mons. Jacquin, num período de três semanas após a bênção solene, entre 1.000.000 e 1.500.000 pessoas foram visitar, tocar e fazerem-se fotografar junto aos brilhantes sinos.

Símbolos gravados em cada sino

Os novos sinos são:

O bourdon“Marie” (6.023 kg; 206,5 cm de diâmetro), dedicado a Nossa Senhora, protetora especial da catedral. Ele é reprodução de idêntico bourdon que tocou de 1378 a 1792, ano do infame saque republicano. Nele estão gravados a “Ave Maria” e um medalhão de Nossa Senhora com o Menino Jesus rodeado de estrelas; tem friso representando a Adoração dos Reis Magos e as bodas de Caná, e por fim uma Cruz de Glória com a inscrição “Via viatores quaerit” (“Eu sou a via em busca de viajantes”).

O sino “Gabriel” (4.162 kg e 182,8 cm de diâmetro) é dedicado ao arcanjo São Gabriel que anunciou a Nossa Senhora a encarnação do Verbo. Neste sino está inscrita a primeira frase do Angelus “O anjo do Senhor anunciou a Maria” —, além de 40 faixas que simbolizam os 40 dias que Jesus passou no deserto e os 40 anos de travessia dos judeus pelo deserto do Sinai; na coroa do sino há flores de lis e, rodeados de estrelas, Nossa Senhora e o Menino Jesus. No corpo do sino há também uma Cruz de Glória com a inscrição “Via viatores quaerit” e um perfil da catedral no coração de Paris.

 O sino “Ana Genoveva” (3.477 kg; 172,5 cm de diâmetro) é dedicado a Santa Ana, mãe de Nossa Senhora, e a Santa Genoveva, padroeira e protetora de Paris. Nele está inscrita a segunda frase do Angelus “E ela concebeu do Espírito Santo”. Três faixas simbolizam a Santíssima Trindade; labaredas de fogo evocam a tenacidade de Santa Genoveva; no demais, repete o sino “Gabriel”.

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