A nova Constituição européia perante a consciência católica


24/11/2004

José Antonio Ureta


Comentário do socialista francês Guy Braibant (segundo da esq. para a dir.) é refutado
6 — Eliminação do matrimônio como fundamento da família

O mesmo artigo 9º garante “o direito de fundar uma família”. Mas, inovando mais uma vez no referente ao artigo 12 da Convenção européia acima citado, o direito de casar-se e o de fundar uma família, “em lugar de estar reunidos numa mesma proposição, são de ora em diante distintos e separados”. Com essa nova formulação, a Carta admite “outras vias que não o matrimônio para fundar uma família”.(9)

Ficam assim favorecidos como “famílias”: o concubinato, as mães solteiras, a adoção de filhos por homossexuais celibatários e até a poligamia ou a poliandria, que não são expressamente proibidas em nenhum lugar da Carta!

7) Direito à educação… desde que “religiosamente neutra”!

O artigo 14º consagra “o direito à educação”, assim como “o direito dos pais de assegurar a educação e o ensino de seus filhos de conformidade com suas convicções religiosas, filosóficas e pedagógicas”.

Mas, curiosamente, quando se trata do “direito de criar estabelecimentos de ensino” (por exemplo, o direito da Igreja de fundar escolas católicas que possam educar as crianças conforme a fé católica), essa prerrogativa vê-se restringida por uma importante limitação: o ensino deve ser oferecido “no respeito dos princípios democráticos”.

Essa cláusula vaga deverá ainda ser interpretada, mas, segundo o Sr. Braibant, na intenção de seus promotores ela deveria incluir: “senão a laicidade, pelo menos a neutralidade do ensino”.(10) Se tal interpretação prevalecer, ficariam excluídas do direito de criar estabelecimentos de ensino as escolas confessionais, que, por sua própria natureza, não oferecem um ensino religiosamente neutro.


Plenário do Parlamento Europeu em Estrasbrugo (França)

8 — Incitamento da revolta dos filhos contra os pais

O direito dos pais de educar seus filhos conforme suas convicções encontra-se também limitado pelo direito, reconhecido às crianças (artigo 24º), “de exprimir sua opinião livremente”, a qual “é tomada em consideração nos assuntos que as concernem, em função de sua idade e de sua maturidade”.

Se isso parece não apresentar dificuldade quanto às crianças ainda pequenas, ameaça favorecer os conflitos familiares no que diz respeito aos adolescentes. Nessa idade ingrata, com freqüência muitos filhos timbram em contestar as regras de disciplina e os valores impostos pelos pais, notadamente quando se deixam influenciar pelos padrões culturais juvenis divulgados por pop-stars ou por programas de rádio e televisão destinados à juventude.

Para o convencional Braibant, “a adição dos direitos das crianças aos direitos dos pais mostra a evolução das idéias e dos costumes, que tem caracterizado o último meio século em matéria de relações familiares”. (11)

Numa palavra, a Carta consagra a vitória da Revolução da Sorbonne, de maio de 68. E aquilo que fazia parte do programa socialo-comunista de François Mitterrand, mas que ele não conseguiu impor na França, ameaça estender-se, de futuro, a todo o Continente pela porta dos fundos, ou seja, a Carta dos Direitos Fundamentais da União Européia!

9 — Prevalece o lobby feminista

Dobrando-se ante o lobby feminista, muito ativo junto à Convenção redatora, o artigo 23º estabelece que “a igualdade entre os homens e as mulheres deve ser assegurada em todos os campos, inclusive em matéria de emprego, trabalho e remuneração”.

Segundo o vice-presidente da Convenção, “a expressão importante do primeiro parágrafo desta disposição” é: ‘em todos os campos’”. Ela inova quanto ao tratado constituinte da UE, que restringia a igualdade entre os sexos às questões sociais. Acrescenta o Sr. Braibant: “A Carta vai mais longe com a afirmação da igualdade ‘em todos os campos’. É, sem dúvida, a primeira vez [que isso ocorre] num texto internacional de caráter jurídico”.(12)

Foi anunciada recentemente a excomunhão lançada pelo Vaticano contra seis mulheres que realizaram na Áustria um simulacro de ordenação sacerdotal. No futuro, ao que tudo indica, o Vaticano estaria incorrendo numa violação dessa paridade entre os sexos “em todos os campos” — logo, também no campo eclesial —, em virtude do artigo 23º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Européia.

É isso que propugnam as feministas radicais do Parlamento Europeu redatoras de um relatório sobre as mulheres e o fundamentalismo, que condenava “as administrações de organizações religiosas […] que promovem […] a exclusão das mulheres de posições dirigentes na hierarquia política e religiosa”.(13) Convém lembrar que tais redatoras quase fizeram aprovar, no mesmo relatório, um apelo a João Paulo II para que a Igreja Católica mude sua posição face às lésbicas.

*     *     *

Em vista de tudo que foi exposto, cremos que, em sã consciência, um católico europeu que seja chamado a pronunciar-se num referendum, se aprova ou desaprova a nova Constituição européia, deve responder com um categórico “não”.

Pouco importam considerações de ordem política ou técnica, quando se têm em vista questões fundamentais como o papel da Religião na vida pública e o respeito à Lei de Deus, no que tange à vida humana, ao matrimônio e à família.

Notas :

1. Cfr. Guy Braibant, La Charte des droits fundamentaux de l'Union européenne, Seuil, Paris, novembro de 2001, p. 76.

2. Cfr. op. cit., p. 77.

3. Cfr. “Agência Zenit”, 24-6-02.

4. Cfr. Guy Braibant, op. cit., p. 297.

5. Cfr. op. cit. p. 92.

6. Cfr. op. cit. p. 98.

7. Cfr. op. cit. p. 115.

8. Cfr. op. cit. p. 155.

9. Cfr. op. cit. p. 115.

10. Cfr. op. cit. p. 132.

11. Cfr. op. cit. p. 133.

12. Cfr. op. cit. p. 163.

13. Item nº 4.

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