Quilombolas: uma nova Reforma Agrária, ainda mais ampla e radical


25/09/2007

Nelson Ramos Barretto

O que se esconde atrás da “questão quilombola”? Retirada do fundo do baú da história, ela emerge como nova ameaça ao direito de propriedade. Depois do MST, fracassado, vêm aí os quilombolas. Seu objetivo: a partir de uma luta fratricida, transformar o Brasil numa imensa Cuba.

As áreas em vermelho, indicadas no mapa, seriam territórios quilombolas (Reprodução do boletim do Movimento Paz no Campo, São Mateus (ES), agosto de 2007)

120 anos após a libertação dos escravos, os efeitos benfazejos da Lei Áurea vêm sendo ameaçados por um espesso e temível redemoinho que, se não for contido, poderá vitimar inúmeros brasileiros. Os afro-descendentes poderão ser atirados aos porões das cooperativas geridas pelo Estado, onde a recordação da bondosa e afável Princesa Isabel poderá ser substituída pela sanha agressiva de Zumbi! Ironia da História?

Gerado a partir do decreto 4887, do presidente Lula, de novembro de 2003, tal redemoinho já começa a agitar muitas regiões do Brasil, provocando divisão e conflito racial, ao mesmo tempo em que desfecha mais um golpe contra proprietários de terras devidamente escrituradas e em plena produção e contra o próprio direito de propriedade.

Toda a questão gira em torno de uma palavra até hoje pouco conhecida — quilombola, para se referir ao remanescente das comunidades dos quilombos — mas utilizada agora com pesada carga simbólica, indicando tratar-se de uma orquestração partida de mentes picadas pela mosca da revolução igualitária e manipulada com o sinistro propósito de convulsionar ainda mais nosso campo, já tão perturbado pela contínua agitação do MST.

Ao insuflar mais esta luta de classes entre irmãos brasileiros, seus protagonistas não fazem senão turbinar perigosamente a fracassada Reforma Agrária, sem se incomodarem em atropelar direitos adquiridos e a própria norma constitucional. O que poderá facilmente degenerar numa fonte de conflitos sem fim, de conseqüências imprevisíveis.

Um grande mapa de cor negra, manchado de vermelho

Em março de 2007, ao participar em Brasília do Fórum Empresarial do Agronegócio, promovido pela Confederação Nacional da Agricultura, fiquei pasmo com os depoimentos de pequenos proprietários rurais de várias regiões, ameaçados de desapropriação por causa do novo fenômeno dos quilombolas. Ali foi exibido um grande e luxuoso mapa do Brasil de cor negra, todo manchado de vermelho sugerindo sangue, demarcando de norte a sul do País as terras de quilombolas passíveis de desapropriação.

Entre perplexo e indignado, o auditório pôde constatar que uma extensão de aproximadamente 30 milhões de hectares de terra — área cinco a seis vezes superior à do Estado do Rio de Janeiro — estava delimitada para se transformar em futuros assentamentos de quilombolas, de todo em todo semelhantes aos assentamentos da Reforma Agrária. Cada circunstante procurava seu município, e muitos exclamavam: “As terras de meu município estão cheias de quilombolas!”.

Visitei no último mês de maio São Mateus (ES), e no de junho Campos Novos (SC). Depois fui ao Rio de Janeiro para conhecer outra realidade: um quilombo em plena área urbana: a igreja de São Francisco da Prainha!

O que encontrei, como verá o leitor, foi muito mais grave e estarrecedor do que eu imaginava. Será que a escritura de uma propriedade perdeu o valor? Será que o registro da mesma num cartório de imóveis não representa mais nenhuma garantia para o proprietário? O direito de propriedade terá deixado de existir? Terá acabado a segurança jurídica do Brasil, e com ela o Estado de Direito?

Atentado à Constituição e ao direito de propriedade


Quilombolas são os moradores das comunidades formadas por escravos fugidos durante o tempo da escravidão, que subsistiram após a promulgação da Lei Áurea

Para melhor compreensão do assunto, cumpre fazer um pequeno histórico das modificações legislativas atinentes à matéria. A Constituinte de 1988 quis reconhecer a posse das terras aos remanescentes dos quilombos, dando-lhes títulos definitivos de propriedade. Seria, com efeito, o reconhecimento de posse já existente, mansa e pacífica. Assim diz a Constituição em seu artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT:

“Art. 68. Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos”.

O texto constitucional é muito preciso. Em primeiro lugar se refere aos remanescentes das comunidades dos quilombos. Em seguida, qualifica-os como estando ocupando suas terras. Por fim determina que o Estado reconhece a estes assim qualificados a condição de proprietários, devendo emitir os títulos de propriedade definitivos. Ora, quilombo era “local escondido no mato onde se abrigavam escravos fugidos” (Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa). São, portanto, moradores das comunidades formadas por escravos fugidos durante o tempo da escravidão que subsistiram após a promulgação da Lei Áurea. Assim sendo, não se trata de qualquer descendente dos escravos.

Por outro lado, estabelece como condição “que estejam ocupando suas terras”. Isto é, no caso do artigo 68 do ADCT, o significado da expressão remanescentes das comunidades dos quilombos sofre uma redução, uma vez que o dispositivo contemplou apenas aqueles remanescentes “que estejam ocupando suas terras” no momento da promulgação da Constituição de 1988.

“Foram excluídos, portanto, os antigos moradores dos quilombos e os seus descendentes que, em 5 de outubro de 1988, não mais ocupavam as terras que até a abolição da escravidão formavam aquelas comunidades”, diz com clareza e propriedade o parecer de Cláudio Teixeira da Silva, Procurador da Fazenda Nacional e Assessor Especial da Subchefia para Assuntos Jurídicos da Casa Civil da Presidência da República. Nesse parecer, o Dr. Teixeira da Silva mostra que se trata de um usucapião singular.

Alem disso, é reconhecida a propriedade definitiva. O reconhecimento nada gera de novo, é a conversão da posse em propriedade. A posse centenária, qualificada, contínua e pacífica dos remanescentes das comunidades dos quilombos sobre essas terras nas quais, na época imperial, se localizavam aqueles agrupamentos formados por escravos fugidos.

Continua o parecer: “O termo propriedade definitiva reforça o entendimento perfilhado, porquanto tem nítido sentido de consolidação de um direito subjetivo preexistente. Expressa a idéia de certeza do direito de propriedade, a fim de conferir aos remanescentes, seus titulares, segurança jurídica que antes não possuíam”.

Na expressão final –– “devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos” –– não cabe a desapropriação, mas tão-só a emissão dos títulos de propriedade, ou seja, a conversão da posse em propriedade. É a emissão de títulos de propriedade particular aos remanescentes das comunidades dos quilombos, e não às comunidades remanescentes. Essa troca de termos altera inteiramente o dispositivo constitucional.

O artigo 17 e seu parágrafo único, do Decreto 4887, contrariam a norma constitucional ao prever a “outorga de título coletivo e pró-indiviso às comunidades” que “serão representadas por associações legalmente constituídas”.

O referido decreto cria a figura da propriedade coletiva. Ou seja, institui tal forma de propriedade para uma associação de remanescentes das comunidades dos quilombos. Qual a legitimidade e representatividade dessas associações, para receber esse título de propriedade? Essa é uma das causas do conflito, como veremos na reportagem adiante.

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Veja:
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