Governador de Roraima esclarece a controvertida demarcação de áreas indígenas


27/09/2008

A soberania nacional continua ameaçada. Roraima está em pé de guerra contra a decisão do governo Lula de demarcar uma enorme reserva em área contínua no noroeste do estado.


Gov. José de Anchieta Júnior: “Se procedermos a uma pesquisa junto à população, veremos que mais de 80% daquelas comunidades não querem a demarcação em área contínua”

Uma extensa e preciosa área de nossa fronteira com a Venezuela e a Guiana Inglesa está ameaçada de tornar-se definitivamente reserva indígena. Para tal, bastará o Supremo Tribunal Federal suspender a liminar impetrada pelo governador de Roraima, José de Anchieta Júnior, contra a demarcação em área contínua da Reserva Indígena Raposa Serra do Sol.

Os produtores rurais e parte da população — 80% dela constituída por índios já mestiços — das cidades da região estão ameaçados de expulsão pela Polícia Federal. Recentemente o Gen. Augusto Heleno, Comandante Militar da Amazônia, manifestou sua posição contrária a essa política indigenista do governo federal.

José de Anchieta Júnior — o governador mais jovem do Brasil — nasceu na cidade de Jaguaribe-CE em 1965. Em 1988, formou-se em engenharia civil pela Universidade Federal do Ceará (UFC), e em 1991 chegou a Roraima. Em 2006, foi eleito vice-governador. Com a morte do governador Ottomar Pinto, ocorrida em dezembro de 2007, assumiu o governo do estado. Em seu gabinete no Palácio Hélio Campos, recebeu a reportagem de Catolicismo na tarde do dia 28 de julho de 2008 para, com entusiasmo e ponderação, explicar as razões de sua decisão aos nossos colaboradores, Srs. Paulo Henrique Chaves e Nelson Ramos Barretto, as razões de sua posição contrária à demarcação da reserva em área contínua.

* * *

Catolicismo— Por que o Sr. entrou no Supremo Tribunal Federal com pedido para suspender a demarcação contínua da Reserva Indígena Raposa Serra do Sol?


Extensas plantações de arroz em Roraima

Gov. José de Anchieta Júnior Antes de esclarecer o motivo pelo qual nós entramos na Justiça, preciso dizer que a demarcação de áreas indígenas no Brasil é emblemática, pois é fruto de uma política equivocada da parte do governo federal. Especificamente, a Reserva Raposa Serra do Sol é uma área de 1.760.000 hectares, que o presidente Lula, através de decreto presidencial de abril de 2005, transferiu para os índios daquela região. Acontece que dentro da referida área existem entre oito e dez etnias vivendo harmonicamente com os brancos, e onde o governo estadual está presente para manter a sobrevivência daquela população.

Catolicismo— O Sr. tem o número exato dos índios que habitam a área da reserva?

Gov. José de Anchieta JúniorSão estimados em 12 mil os índios que habitam lá, e para os quais o governo do estado dá assistência como educação, recuperação de estradas, de pontes, fomentos à pecuária e à agricultura. O estado de Roraima conta com 400 escolas estaduais, das quais metade são escolas para educação dos índios. Na Reserva Raposa Serra do Sol, os índios já são civilizados. Se procedermos a uma pesquisa junto à população, veremos que mais de 80% daquelas comunidades não querem a demarcação em área contínua.

O que existe de fato ali são interesses escusos de ONGs que, diga-se de passagem, tomaram conta da Amazônia legal e representam com certeza interesses internacionais. Haja vista serem elas internacionais, em sua grande maioria, e agirem através de comunidades católicas e evangélicas. Não quero generalizar, pois em qualquer grupo humano pode haver pessoas de boa ou de má fé. Lá existe uma ONG conduzida por uma dessas organizações, cujo nome é CIR, e que demonstra interesse na demarcação em área contínua, razão do desencadeamento do problema com seus habitantes.

Somente agora, três anos depois da assinatura do decreto presidencial, é que o governo Lula resolveu fazer a desintrusão dessas pessoas de lá. Foi a partir desse momento que se afunilou todo o processo, desencadeando os acontecimentos que o Brasil todo pôde acompanhar. O Exército nacional se negou a participar da operação de retirada dos não-índios, obrigando o governo federal a enviar a Polícia Federal para retirá-los.

Catolicismo— Por que o Sr. entrou no STF com pedido de suspensão da desintrusão dos não-índios?


O governador de Roraima, José de Anchieta (esq.), participa de audiência pública sobre a política indigenista e a situação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, junto com o ministro de Assuntos Estratégicos, Mangabeira Unger

Gov. José de Anchieta JúniorPorque era evidente que, naquele momento, dada a insistência do governo federal em retirar os não-índios da região, nós iríamos ter com certeza uma tragédia de repercussão internacional.

Catolicismo— Falou-se também da falsificação de um laudo antropológico.

Gov. José de Anchieta JúniorHouve de fato o laudo manipulado. Da equipe que trabalhou para fazer o laudo, não participou ninguém da sociedade civil roraimense nem da classe produtora. Ou seja, foi um laudo antropológico fabricado pelo CIMI, pela FUNAI, e assinado por antropólogos que nunca pisaram em Roraima. Em razão disso, tal laudo antropológico perdeu sua credibilidade e valor, ao não levar em conta o respeito pelas pessoas que se encontravam lá morando há décadas e décadas.

Catolicismo— Como o Sr. imagina harmonizar o desenvolvimento do estado, cujo potencial é muito grande, com essas imensas reservas indígenas demarcadas?

Gov. José de Anchieta JúniorCreio ser um problema muito fácil de resolver. Na verdade, o que o índio precisa é exatamente da integração. Ele precisa de cidadania, de dignidade, de educação e de saúde. O índio da Raposa Serra do Sol quer hoje tecnologia agrícola, quer telefone celular, quer internet, quer ter acesso à universidade. E ele não vai obter isso com esta política distorcida do governo federal. A FUNAI vem, demarca e vai embora, deixando os índios viverem a própria sorte.

É muito fácil obter o apoio das comunidades indígenas para fazer a integração, porque nós temos uma política clara de desenvolvimento em parceria com essas comunidades. Promover seu desenvolvimento resultará em ganho não apenas para o estado, mas igualmente para as comunidades indígenas.

Catolicismo— Como se encontra a situação dos índios dentro das reservas já demarcadas, quanto à alimentação, habitação, educação, saúde e renda?


Minérios como nióbio, tântalo, ouro, urânio, tório e diamantes são abundantes nas reservas indígenas demarcadas pelo governo. Será essa a causa de tantas ONGs internacionais atuarem junto aos índios da Amazônia?

Gov. José de Anchieta JúniorÀs reservas indígenas nas quais o estado tem acesso, nós conseguimos levar todo tipo de assistência, exceção feita às áreas dos ianomâmis, onde só pode entrar o pessoal da Saúde, através da Funasa, e o Exército brasileiro. Mas para se ter uma noção exata sobre a etnia dos ianomâmis –– que vive isolada em plena floresta amazônica, no noroeste do nosso estado –– e do tipo de assistência que os índios vêm recebendo por parte do governo federal, a expectativa de vida deles é de apenas 45 anos. Então, que preservação do povo indígena é essa? Nas áreas onde temos acesso e atuamos, a integração é voluntária e é condição sine qua non para que os índios possam sobreviver.

Outro dado importante é que a Raposa dista cerca de 200 quilômetros da Serra do Sol, em linha reta. Pela demarcação, a Reserva Raposa Serra do Sol começa na Raposa, parte baixa a oeste, até a Serra do Sol, parte alta em direção ao Monte Roraima. A junção dessas duas áreas procura induzir à idéia de que tais índios pertencem a uma só etnia, mas na verdade são cerca de oito a dez etnias. São grupos de pessoas que vivem e pensam de modo diferente. Aliás, representa até um perigo que tal demarcação seja em área contínua, pois eles não vão se entender entre si, o que poderá resultar em rivalidades e mortes.

Catolicismo— Ontem percorremos cerca de 350 km de carro pela região, e hoje sobrevoamos por três horas a Reserva Raposa Serra do Sol. E pudemos constatar o pequeno número de malocas, podendo ser contadas quase nos dedos das mãos.

Gov. José de Anchieta Júnior E há mais. O interesse nessas demarcações, feitas exatamente nas fronteiras brasileiras com a Guiana Inglesa e com a Venezuela, provoca o esvaziamento de nossas fronteiras, daí a preocupação do Exército com a questão — preocupação que é igualmente nossa. Nós afirmamos em audiência pública que essa política demarcatória influenciará a soberania nacional. Por quê? Porque não é a presença do índio que atrapalha, mas a ausência do branco. Com efeito, as fronteiras brasileiras precisam de vivificação, precisamos marcar presença nas nossas fronteiras, e naturalmente zelar pelo que é nosso.

Nas demarcações, comparando os dados de ordem geográfica com outros da morfologia, gênese e classificação do solo, veremos que ambos coincidem. Se tomarmos o mapa geográfico das demarcações de Roraima e o mapa das riquezas minerais de nosso subsolo, e sobrepusermos os dois, haverá uma perfeita harmonização, pois uma área será exatamente igual à outra. Por baixo das reservas indígenas estão as maiores riquezas naturais de nosso estado. Mera coincidência!...

Catolicismo— A quem interessa isso?

Gov. José de Anchieta JúniorCom certeza não será aos índios, pois eles não fazem prospecção de solos. Sabemos que há um interesse generalizado e imenso pela Amazônia. Temos a maior fonte de água doce do mundo, temos a maior biodiversidade do mundo, temos as maiores riquezas minerais do mundo. É tão óbvio, que às vezes fico me perguntando por que temos de lutar tanto para mostrar ao povo brasileiro uma realidade tão lógica e clara.

Aliás, quero agradecer à imprensa pela divulgação desta questão do meu estado. Conseguimos passar para o povo brasileiro o que vem ocorrendo aqui, graças à imprensa, pois ela foi solidária conosco e entendeu o nosso recado. Refiro-me de modo particular ao depoimento de Alexandre Garcia ainda ontem, no programa Canal livre da Band, no qual o Gen. Lessa concedeu entrevista. O grande apoio que o Gen. Heleno obteve nos estimula, pois a voz do povo é a voz de Deus.

Catolicismo— O que acontecerá com os habitantes de cidades naquela região que conhecemos como Pacaraima, Uiramutan e Normandia, e das vilas como Surumu, Pontão e Flechal?

Gov. José de Anchieta JúniorVou começar pelo lado otimista. Hoje, estou acreditando muito na independência do STF. Estamos num momento em que o STF vem mostrando com muita isenção, com muita responsabilidade, a maneira de conduzir esses processos que representam os interesses do Brasil. Particularmente, penso que a demarcação da Raposa Serra do Sol serásem dúvida uma balizadora para as demais demarcações que vierem a ser feitas Brasil afora; por isso, a demarcação vai sofrer alterações.

Por outro lado, se permanecer como está, será muito lamentável, pois nossa luta não vai parar por aí. Poderemos perder a batalha, mas não perderemos a guerra. Na discussão sobre a Raposa Serra do Sol nós já fomos muito longe. Conseguimos chamar a atenção do povo para a propriedade e para o patrimônio do povo brasileiro. Mas se permanecer como quer o governo federal, eu não tenho dúvida de que os índios ficarão abandonados para sempre, pois o governo federal não vai fazer nada por eles. De minha parte, vou continuar o meu trabalho a fim de assisti-los. A prevalecer a demarcação em área contínua, eu não me permitirei abandoná-los.

Catolicismo— Governador, o que representam para a economia do estado os produtores de arroz ameaçados de expulsão de suas terras?


Riquezas naturais da Amazônia

Gov. José de Anchieta JúniorQuero deixar claro que esta luta do governo estadual de Roraima contra a demarcação contínua não é para defender os interesses de meia dúzia de arrozeiros, mas para defender o interesse de toda aquela população produtiva que vive lá, e mais especificamente os arrozeiros. A Raposa Serra do Sol tem uma área de 1.760.000 hectares. Existem seis arrozeiros lá que produzem o correspondente a 7% do PIB de Roraima. Eles produzem não apenas para o consumo interno, mas exportam o excedente para os estados do Amazonas e do Tocantins.

Esses homens estão trabalhando lá há mais de 30 anos, com tecnologia e equipamentos de ponta, gerando empregos para muitos índios da região, e hoje estão fadados a ter de largar, a sair de lá. Diga-se de passagem, deve ser a área de arroz mais produtiva do Brasil por hectare plantado. Eles têm duas safras e meia por ano. O mundo está atravessando uma crise de alimentos, e é uma ocasião que o Brasil poderia estar aproveitando para desenvolver sua produção de grãos. Mas exatamente nessa hora surge essa política equivocada, querendo retirar os produtores de arroz de lá e cessar a produção.

Veja:
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