Limitação da propriedade rural, Reforma Agrária e estupidez


17/02/2011

Hélio Brambilla

No Brasil, o contraste entre o pujante êxito do agronegócio e o fracasso da Reforma Agrária socialista torna-se cada vez mais clamoroso

“Sozinho, produzo comida para cem mil pessoas!” — Soam como boa música essas palavras de um desbravador que se ufana de alimentar tanta gente. Ele não fala com vão orgulho, mas com altivez. Secundado pela família e por seus empregados, atinge índices impressionantes de produtividade.

Um amigo me informara que uns mega-caminhões — 18 de uma só vez — haviam carregado cerca de mil toneladas de feijão numa fazenda. Os motoristas, que tinham almoçado com os 1.300 funcionários do local, comentaram ter-se alimentado muito bem, pois a excelente qualidade das refeições é garantida pela supervisão de nutricionistas. Emigrado do sul com diploma de agronomia e a roupa do corpo, freqüentemente o produtor alimenta cem mil pessoas com o que colhe, almoça com os seus funcionários, assiste com eles às Missas que marcam o início da safra, e participa com as respectivas famílias das quadrilhas de São João.

Numa recente safra de feijão, o produtor acima referido colheu um verdadeiro recorde nacional, provavelmente mundial: seus 19 pivôs de irrigação foram responsáveis por uma média de 64,8 sacas/hectare. Assim, de 125 hectares plantados ele retirou sacas suficientes para carregar 231 mega-caminhões bitrens. Em outras fazendas ele ainda produz café, soja, algodão, milho, trigo, bois em confinamento e um dos maiores plantéis suínos do Brasil.

 

Agronegócio e agricultura integrada


A esquerda quer converter o agro brasileiro numa infinita colcha de retalhos, de minúsculas propriedades rurais, como a da foto abaixo.

Estes dados desmerecem outros produtores menores?

Absolutamente não! O Prof. Marcos Fava Neves (FEA/USP – Campus Ribeirão Preto), em artigo para a “Folha de S. Paulo” (25-9-10), desmente com maestria os que desejam contrapor o produtor dito “familiar” ao empresarial, sobretudo no “vale-tudo” dos programas eleitorais. E comenta: “É importante que essas lideranças que criticam o agronegócio entendam que esse conceito foi criado em 1957 nos Estados Unidos (apenas em 1990 no Brasil) para dar o caráter de integração à agricultura. Agricultura integrada com o comércio, com a indústria, com os serviços, com as pesquisas, com os insumos e com os produtores. Na definição, não existe a palavra ‘tamanho’. É preciso entender que agronegócio não significa algo grande, e sim algo integrado”.

 

 

É voz corrente que, com a posse de 20 hectares, um produtor no Paraná, Santa Catarina ou Rio Grande do Sul ganha mais com a avicultura ou suinocultura, quando integrada a uma cooperativa ou às grandes processadoras de carne. Ele possui um padrão de vida bem melhor que o dos pequenos e médios fazendeiros do centro-oeste.

Assentados sobrevivem com ajuda estatal em “favelas rurais”

Falando recentemente para um seleto auditório em São Paulo, a senadora Kátia Abreu, presidente da CNA, apresentou estatísticas mostrando que, dos cinco milhões de proprietários rurais brasileiros, 1.500.000 produzem 70%, 2.500.000 produzem 6%, e 1.000.000 produzem os restantes 24%.

Os primeiros não são apenas proprietários de grandes extensões de terras, mas pequenos e médios produtores integrados ao agronegócio. Proporcionalmente eles produzem mais que os grandes proprietários. Os 2.500.000 seguintes são os que mantêm apenas uma chácara de lazer ou um pequeno sítio com um casal de aposentados. Somam-se a estes mais de 1 milhão de assentados da Reforma Agrária, vivendo à custa dos programas sociais do governo federal nas suas “favelas rurais”, onde apenas alguns poucos prosperam. Os terceiros são os produtores “marcha lenta”, que trabalham sem pretensões maiores do que ter uma vida digna, tranqüila, produzindo em menor escala.

Regimes marxistas: produção decai e a miséria generaliza-se

Ao analisar em 1981 o projeto autogestionário do Partido Socialista francês, o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira condena o igualitarismo socialista, que pretende uniformizar as dimensões das propriedades e socializar o sistema de produção. E os conceitos que ele discute aplicam-se inteiramente ao caso brasileiro:

“Os princípios econômicos vigentes no Ocidente, mesmo quando tenham dado ocasião a abusos, emanam da própria natureza humana. Eles podem caracterizar-se, resumidamente, pela afirmação de legitimidade da propriedade individual, bem como da iniciativa e do lucro privados.

“Os socialistas se propõem, no entanto, implantar outro sistema econômico, orientado para outras finalidades e a partir de outros incentivos. A idéia do que eles qualificam de lucro só para alguns deve substituir-se progressivamente pelo critério da utilidade social, determinada pela vontade soberana do povo. Ou seja, os socialistas, como os comunistas, afirmam que o indivíduo existe para a sociedade, e deve produzir diretamente, não para seu próprio bem, mas para o da coletividade a que pertence.

“Com isto, o melhor estímulo do trabalho cessa, a produção decai forçosamente, a indolência e a miséria se generalizam por toda a sociedade. Com efeito, cada homem procura pela luz da razão, como também por um movimento instintivo contínuo, possante e fecundo, prover antes de tudo as suas necessidades pessoais e às de sua família”.

O igualitarismo instila o desânimo


Modelo de cédula para “votar” pela limitação da propriedade, distribuído num santuário católico do Brasil

Prossegue Plinio Corrêa de Oliveira:

“Quando se trata da própria conservação, a inteligência humana mais facilmente luta contra suas limitações, e cresce tanto em agudeza como em agilidade. A vontade vence com mais facilidade a preguiça e enfrenta com maior vigor os obstáculos e as lutas. Em suma, o trabalhador atinge o nível de produtividade quantitativa e qualitativamente correspondente às reais necessidades e conveniências sociais.

“É a partir desse impulso inicial — túmido de legítimo amor de si e dos seus — que o homem projeta as ondulações mais largas do amor ao próximo, as quais devem abarcar, em última etapa, todo o corpo social. E assim sua atividade, longe de beneficiar apenas o seu pequeno grupo familiar, toma amplitude proporcionada à sociedade.

“O socialismo, abolindo este primeiro estímulo natural e poderoso do trabalho, e instaurando pelo contrário um regime salarial cada vez mais igualitário, no qual os mais capazes não vêem compensado proporcionalmente seu maior serviço, instila o desânimo em todo trabalhador. Assim, todo o jorro da força de trabalho nacional se torna baixo, fraco, insuficiente, como acontece de modo tão evidente na Rússia e nos países satélites”. [...]

O igualitarismo é depressivo, produzindo falta de estímulos

“Importa acentuar aqui a força do estímulo da desigualdade e o efeito depressivo da igualdade geral, bem como das desigualdades microscópicas. Numa sociedade igualitária, é inevitável que o ganho do trabalhador tenha um teto, igual para todos, ou tetos muito pouco desiguais. Quanto nela seja pequena essa desigualdade, torna-se patente se a compararmos às desigualdades de tetos do regime socioeconômico em vigor no Ocidente.

“Convém ponderar que, pela própria natureza das coisas, a capacidade de trabalho varia imensamente de homem para homem, e que a produtividade global do trabalho de uma nação supõe o pleno estímulo de todas as capacidades, notadamente a dos supercapazes.

“No regime socioeconômico em vigor no Ocidente, os horizontes para as legítimas ambições dos supercapazes são indefinidos. Postos eles a caminho, estimulam de proche en proche toda a hierarquia das capacidades necessariamente menores, as quais têm também, diante de si, possibilidades de êxito proporcionadas. Limitando o surto dos supercapazes ou dos capazes, o ímpeto de produção do trabalho diminui. Aliás, onde os supercapazes efetuam um trabalho menor do que suas forças, os capazes são, por sua vez, desestimulados, e todo o nível de produção baixa.

“O igualitarismo conduz assim, e necessariamente, a uma produção inferior à soma das capacidades de trabalho de um país. E tanto menor quanto esse igualitarismo for mais radical” (“O socialismo autogestionário: em vista do comunismo, barreira ou cabeça-de-ponte?”: http://www.pliniocorreadeoliveira.info/livros/1981%20-%20O%20socialismo%20autogestionario%20frances.pdf)

As potencialidades excepcionais do Brasil

Relatório recente divulgado por Jacques Diouf, diretor da Agência das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO), afirma: “O Brasil é o produtor agrícola com crescimento mais rápido e um aumento previsto de 40% até 2019”. O relatório lembra ainda que nos países desenvolvidos basta o trabalho de 2% da população para produzir a quantidade necessária de alimentos, enquanto nos países pobres esse percentual é de 60% a 80%.

Na maior feira mundial do setor sucroalcooleiro — a FEICANA/FENASUCRO, realizada no início de setembro/2010 — o cônsul geral da Índia, Dr. J. K. Tribathi, em palestra sobre as potencialidades da produção de açúcar/álcool no Brasil, mostrou a impossibilidade de a Índia aumentar a sua, por falta de terras disponíveis, pois seus 50 milhões de produtores de cana impedem a produção em grande escala.

Uma lei socialista em vigor na Índia obriga as usinas a comprar até a mais irrisória quantidade de cana — por exemplo, um feixe levado pelo produtor na sua bicicleta. Por isso, enquanto os 50 milhões de produtores indianos marcam passo nos 25 milhões de toneladas de açúcar e 1 bilhão de litros de álcool, com 72 mil produtores o Brasil deverá atingir 37 milhões de toneladas de açúcar e 30 bilhões de litros de álcool.

O ex-ministro da Agricultura, Pratini de Moraes, afirmou que “o Brasil só utiliza 5,4% dos seus 851 milhões de hectares para produzir 150 milhões de toneladas em culturas anuais de grãos, e dos 220 milhões de hectares de pastagens naturais e cultivadas a pecuária só utiliza 170 milhões. [...] A tendência é o aumento da integração lavoura/pecuária e o uso de semi-confinamentos para terminação dos animais para abate. Dispomos hoje de 90 milhões de hectares para as novas lavouras, o dobro do que plantamos na atual safra” (Revista “Opiniões”, setembro de 2010, pág. 96).


A solução não é dividir ainda mais a propriedade, e sim promover o contrário da Reforma Agrária. Com isso se poderá colocar no ciclo produtivo mais de 80 milhões de hectares, para que o Brasil duplique ou até triplique a sua produção.

Esquerda brasileira, refém do modelo cubano

Sempre tenho sustentado que a esquerda brasileira é muito limitada e atrasada, pois segue à risca o charlatão Marx, velho de quase 200 anos. Teima também em seguir os paradigmas da Cuba dos irmãos Castro, onde o próprio Fidel foi obrigado a reconhecer que o modelo cubano se esgotou. Outros países, como México, China e Chile, acabaram com a Reforma Agrária para poderem produzir excedentes para alimentação da população urbana, e não apenas para subsistência. Mas a esquerda brasileira parece ter perdido o carro da História.

Se considerarmos que a área destinada aos minifúndios improdutivos da Reforma Agrária já ultrapassou toda a área destinada à produção de grãos, laranja, cana, florestas para celulose, madeira e carvão, podemos concluir que a solução não é dividir ainda mais a propriedade, e sim promover o contrário da Reforma Agrária. Com isso se poderá colocar no ciclo produtivo mais de 80 milhões de hectares, para que o Brasil duplique ou até triplique a sua produção. Seria, inclusive, o melhor modo de ajudar e promover os pobres que queiram trabalhar, e que hoje permanecem dependurados no Estado, vivendo em assentamentos que não produzem e nada prometem.

Enorme gárgula, surda à voz do bom senso

Certa corrente ambientalista gosta de atacar os 15 a 20 milhões de hectares de pastagens que estariam “degradadas”, mas nunca dizem que há 80 milhões de hectares aplicados na Reforma Agrária, estes sim realmente degradados.

Numa catedral gótica, entre umas gárgulas em forma de monstros, destinadas ao escoamento da água pluvial, uma representava um dragão disforme, com um dos ouvidos colado ao piso e o outro tampado com a ponta de sua própria cauda. De acordo com a alegoria medieval, tal monstro simboliza o pecador empedernido, obstinado em não querer ouvir o bom conselho que provém de lábios sensatos. A esquerda brasileira se assemelha a uma enorme gárgula como essa, que não quer ouvir a voz da realidade, da Lei natural e dos ensinamentos contidos na doutrina social da Igreja.

Veja:
Revista Catolicismo

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