Autogestão socialista na Venezuela
17/02/2011
Cid Alencastro
Chávez não é simplesmente um histrião, como alguns pensam. Seu projeto de autogestão comunitária é um plano-piloto, tendo em vista preparar a América Latina para um comunismo metamorfoseado.
Venezuela, eleições parlamentares de 2005: os políticos de oposição ao governo Chávez decidem aconselhar os eleitores a que se abstenham de votar, e tornam esta recomendação ponto central de sua campanha.
Ingenuidade? Difícil imaginá-la em políticos experientes.
Bobeira? Os venezuelanos não são tolos.
Cumplicidade com o governo? Eis uma hipótese mais plausível.
O fato concreto é que a esmagadora maioria dos eleitores da oposição aceitou esse “conselho” ? tão estranho! ? e não votou em ninguém. Como resultado, Chávez obteve verdadeira hegemonia parlamentar. Daí em diante veio governando com uma Assembléia Nacional inteiramente submissa a suas iniciativas, seus desejos e seus caprichos. Saudoso da União Soviética, ele vem empurrando a Venezuela para o socialismo, tanto quanto lhe é possível.
Matreirices de um caudilho
Nas eleições de 2010, não mais foi possível manter a desastrosa orientação de 2005, e a maioria dos venezuelanos votou contra Chávez. Mas o caudilho fizera preceder a eleição de manobras tais, que conseguiu manter maioria na nova Assembléia, embora os votos populares tenham sido em maior parte para a oposição. Resultado mirabolante, que nem a cartola de um mágico conseguiria.
Chávez não detém hoje maioria absoluta, e a vantagem que conseguiu nem de longe se compara à da Assembléia anterior. A situação foi por ele encarada como empecilho à execução de suas vontades, mas não lhe falta matreirice, somada à sua índole totalitária, para resolver o impasse. Assim, antes que se extinguisse o mandato da dócil assembléia eleita em 2005, fez votar leis que lhe permitem governar por decreto durante 18 meses, ao mesmo tempo que restringem brutalmente as atribuições da nova Assembléia Nacional.
Para que deseja ele tantos poderes? Já seria muito ruim se resultasse apenas de um desenfreado desejo megalomaníaco de domínio. Mas o extremamente grave é que esse poder vem sendo exercido, e continuará a sê-lo, na linha do socialismo do século XXI. Apesar da propagandística conotação de modernidade, nada mais é do que o requentado comunismo velho de guerra, sob sua forma mais perigosa e nefasta: a autogestão socialista (ver quadro abaixo).
As “comunas” de Chávez
A imprensa tem publicado dados esclarecedores.*
Antes de encerrar o seu mandato, a Assembléia chavista aprovou “um conjunto de normas que criam e regulam as comunas. O objetivo é fazer delas a unidade básica do Estado venezuelano. [...] Serão um território com autogestão comunitária. Receberão verba pública de forma direta”. As comunas serão ligadas diretamente ao Executivo e constituirão o “Estado comunal”, prescindindo de municípios e Estados. Uma comuna poderá abranger áreas de municípios diferentes, e mesmo de Estados diferentes. Terá carta comunal, parlamento comunal e até moeda. Será baseada na propriedade social, “orientada em direção à eliminação da divisão do trabalho”. Ou seja, o trabalho coletivo deverá substituir o trabalho individual (como também os lucros e todos os bens serão coletivos).
Para o prefeito de Chacao, Emilio Graterón, as comunas são o “protótipo do comunismo”. Cada comuna é “conformada pela reunião de vários conselhos comunitários de uma zona” (espécie de “comitês de vizinhos”). Diversos bairros ou parte de um bairro serão organizados em conselhos comunitários, tipo sovietes. A Rádio Comunitária Arsenal (que vem sendo denunciada por apoiar as FARC e outros movimentos guerrilheiros) vê as comunas “como a esperança de construir uma sociedade pós-capitalista”.
3,2 bilhões de dólares foram destinados pelo governo a 30 mil projetos de conselhos, a serem dirigidos por 41.211 pessoas que fizeram curso de participação política.
Membros da recém-formada milícia do presidente venezuelano Hugo Chávez
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Coletivos armados
Mais de 200 comunas estão “em construção”, e a mais adiantada é a Comuna Panal 2021, no bairro 23 de Enero. Esse bairro “funciona sob a coordenação do coletivo Alexis Vive, formado por disciplinados jovens que se dizem inspirados em Che Guevara e no teórico marxista Istvan Meszaros, entre outros”. A comuna é vigiada por câmeras espalhadas pelos blocos.
“O Alexis Vive é um dos mais jovens grupos radicais chavistas do 23 de Enero, controversos por se envolver em episódios de violência e porque, para os críticos do presidente, são coletivos armados paraestatais, espécie de ‘milícias’ de Chávez”.
Autogestão na América Latina
Movimentação análoga, embora menos adiantada, vem ocorrendo em outros países sul-americanos, como o Equador e a Bolívia, e Chávez goza de grande simpatia entre governantes da Argentina e do Paraguai. No Brasil, os “conselhos” de tipo soviético, aprovados por Lula no malfadado Programa de Direitos Humanos (PNDH-3), permanecem como uma ameaça. Tudo isso junto nos diz que presenciamos uma tentativa de comunizar a América do Sul, talvez toda a América Latina.
A autogestão que se impõe à Venezuela é apenas um plano-piloto. É o comunismo soviético que, depois de uma prolongada metamorfose, renasce entre nós maquiado e camuflado — uma planta daninha cujas sementes envenenadas são trazidas pelo pernicioso vento da demagogia, para medrar em novo terreno.
Nossa Senhora de Guadalupe, padroeira das Américas, atenda aos nossos pedidos de dar aos governantes e ao povo a clarividência de verdadeiros católicos, para oporem-se eficazmente a esse nefando plano.
E-mail para o autor: catolicismo@terra.com.br
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Nota:
* Cfr. especialmente “Folha de S. Paulo”, 19-12-10
O que é a autogestão socialista
A propósito de uma tentativa do Partido Socialista Francês de impor a autogestão, o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira publicou em 1981 o brilhante estudo “O socialismo autogestionário: em vista do comunismo, barreira ou cabeça-de-ponte?”. Publicado em 69 países, com a impressionante tiragem de 33,5 milhões de exemplares, contribuiu decisivamente para impedir a execução desse plano de caráter marxista na França. O texto abaixo foi extraído desse importante documento.
Os princípios econômicos vigentes no Ocidente, mesmo quando tenham dado ocasião a abusos, emanam da própria natureza humana. Eles podem caracterizar-se, resumidamente, pela afirmação da legitimidade da propriedade individual, bem como da iniciativa e do lucro privados.
Os socialistas se propõem, no entanto, implantar outro sistema econômico, orientado para outras finalidades e a partir de outros incentivos. À idéia do que eles qualificam de lucro só para alguns, deve substituir-se progressivamente o critério da utilidade social, determinada pela vontade soberana do povo. Ou seja, os socialistas, como os comunistas, afirmam que o indivíduo existe para a sociedade, e deve produzir não diretamente para seu próprio bem, mas para o da coletividade a que pertence.
Com isto, o melhor estímulo do trabalho cessa, a produção decai forçosamente, a indolência e a miséria se generalizam por toda a sociedade.
O Partido Socialista estimula assim a criação de associações de bairro e similares, das quais parece esperar uma ação decisiva na distribuição das moradias, como também na redistribuição não-segregativa dos bairros existentes ou a serem construídos.
Os comunistas têm como meta final a autogestão da sociedade. Lê-se no preâmbulo da Constituição russa que “o objetivo supremo do Estado soviético é edificar a sociedade comunista sem classes, na qual se desenvolverá a autogestão social comunista” (Constitución – Ley Fundamental – de la Unión de Repúblicas Socialistas Soviéticas, de 7 de outubro de 1977, Editorial Progresso, Moscou, 1980, p. 5).
Nesse ponto não há, pois, divergência doutrinária entre comunistas e socialistas.
O Instituto de Filosofia da Academia de Ciências da Rússia soviética assim define o papel do Estado no período de transição rumo à sociedade autogestionária: O problema da extinção do Estado, concebido dialeticamente, é o problema da transformação do Estado socialista em autogestão comunista da sociedade.
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(http://www.pliniocorreadeoliveira.info/livros/1981%20-%20O%20socialismo%20autogestionario%20frances.pdf) |
Veja:
Revista Catolicismo
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