Reforma Agrária: uma revolução malograda


02/11/2011

José Carlos Sepúlveda da Fonseca


Foto: Nelson Barretto

Debilitação da salutar influência religiosa

Mas, como afirmamos anteriormente, tratava-se de operar uma baldeação nas mentalidades, para envenenar esta realidade ainda sadia.

Certa modorra nos ambientes religiosos, em que os princípios eram ensinados tantas vezes sem entusiasmo, fazia com que muitos — dizendo-se, embora, católicos — fossem perdendo o vigor das convicções, as quais se tornavam, cada vez mais, simples hábitos mentais.

Além disso, o declínio religioso foi afetando indiscriminadamente patrões e empregados, e a salutar influência religiosa foi-se enfraquecendo na vida do campo, bem como em todo o País.

Preconceito passional contra o proprietário

Estava assim preparado o campo para a ação, solerte e incansável, da minoria progressista.

Num ambiente de confusão, manipulando termos como “latifúndio”, “democracia”, “justiça social”, mais do que uma doutrina, a esquerda católica espargia uma mentalidade.

O desconhecimento, por boa parte dos católicos, da doutrina da Igreja no tocante às legítimas desigualdades existentes entre os homens, ao lado da igualdade fundamental, permitia que o clero progressista disseminasse a ideia de que a Igreja era mestra e paladina de uma igualdade radical e onímoda.

Sob o pretexto de legítima proteção aos pobres, ia-se formando um estado de espírito rancorosamente hostil a toda e qualquer hierarquia. O proprietário era apresentado como detentor de interesses opostos aos dos trabalhadores e do Estado.

Aflorava assim um preconceito passional contra o proprietário (egoísta, inclemente, soberbo), fazendo com que surgisse na cabeça de muitos a dúvida: se a própria condição de proprietário não era, por si só, contrária ao verdadeiro espírito cristão. Num segundo passo era questionada a própria instituição da propriedade, a qual de si seria iníqua e causa dos múltiplos defeitos atribuídos aos proprietários, bem como responsável pelas crises que o País atravessava.

Neste caldo de cultura irrompiam, como soluções simplistas, a supressão da propriedade privada no campo e a reforma completa da estrutura agrária do País.

“Livro-bandeira contra a reforma agrária”


Plinio Corrêa de Oliveira expõe as teses do livro Reforma Agrária - Questão de Consciência

Na medida das possibilidades, tornava-se imperioso preparar as condições para uma sadia reação do bom-senso e da consciência cristã.

Plinio Corrêa de Oliveira julgava chegado o momento de empreender uma pugna ideológica do ponto de vista católico contra o agro-reformismo, socialista e confiscatório. Antes de tudo por convicção pessoal, mas igualmente pela certeza de que a reação da consciência cristã precisava ser o fundamento da defesa da propriedade privada, para alcançar seu superior sentido moral aos olhos dos brasileiros, mesmo dos não católicos.

Estava ele persuadido de que a imposição de uma lei anticatólica a um país católico arrastaria o Brasil a um mare magnum de problemas que faria da Reforma Agrária o ponto de partida para uma grave convulsão da consciência cristã do País, criando um gênero de questão – a religiosa – que estadistas e homens de pensamento reputavam assaz delicada.

Ciente de que o problema agrário é um aspecto da questão social e de que, segundo ensinam os Sumos Pontífices, esta é primordialmente moral e religiosa, tratava-se de convocar à ação em defesa de direitos inalienáveis, em nome da fidelidade aos princípios da civilização cristã.

Com a participação dos Bispos de Campos (RJ) e de Jacarezinho (PR), respectivamente Dom Antonio de Castro Mayer e Dom Geraldo de Proença Sigaud, e com um estudo complementar do economista Luiz Mendonça de Freitas, surgiu Reforma Agrária – Questão de Consciência (RA-QC), que viria dar uma fisionomia totalmente nova ao embate anti-agro-reformista: “Este trabalho se dirige, pois, aos membros das profissões liberais, aos eclesiásticos, aos políticos, aos militares, e notadamente aos agricultores, engenheiros agrônomos, economistas, bem como, de modo geral, a todos os homens de cultura e de ação nos quais a Fé e o amor à nossa civilização mantêm vivaz a convicção da legitimidade e benemerência da propriedade privada, e aos quais incumbe, a títulos diversos, a defesa dos fundamentos da nacionalidade” (op. cit. Editora Vera Cruz, 3ª ed., São Paulo, 1961, p. 6).

Difundido por todo o Brasil e transformado em pouco tempo em best-seller, RA-QC tornar-se-ia o verdadeiro “livro-bandeira contra a reforma agrária”, segundo as palavras do insuspeito Márcio Moreira Alves (cfr. O Cristo do Povo, Ed. Sabiá, Rio de Janeiro, 1968, p. 271).

A campanha concorreu inegavelmente para barrar o caminho à Reforma Agrária — à revolução agrária — e favoreceu um ressurgimento das energias abatidas na opinião pública, fincando um filão de resistência ao agro-reformismo que se prolongaria no tempo.

O católico não pode deixar de ser contra a Reforma Agrária

Durante décadas o agro-reformismo socialista e confiscatório agiu de modo camaleônico: mudou de cor, de táticas, de pretextos; mudou de modos de escamotear a realidade e de meios de intimidar a classe dos proprietários e da burguesia em geral com ameaças fantasmagóricas de convulsões sociais partidas de massas camponesas indignadas com o estado de miséria quimérico a que as teria reduzido a instituição cruel da propriedade. Só não mudou duas coisas: sua meta – a supressão da propriedade privada, e seu ardil – a tentativa de instrumentalizar o prestígio da Igreja em seu favor.

Também durante décadas, Plinio Corrêa de Oliveira sustentou animosamente essa controvérsia, aparando os golpes e investidas agro-reformistas, enquanto outros preferiam muitas vezes fechar os olhos, cruzar os braços ou, como visionários, entoar o estribilho de colorido derrotista “ceder para não perder”. Entretanto, a receptividade da opinião pública à ação anti-agro-reformista se renovava a cada lance.

Nesse longo percurso, cujo simples enunciado histórico extrapolaria os limites do presente artigo, é de realçar-se a explosão agro-reformista, de espírito e propósitos radicalmente igualitários, do documento coletivo da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Igreja e problemas da terra, aprovado em fevereiro de 1980. Com franqueza e sem rodeios, o documento episcopal proclamava a determinação de promover uma igualdade sócio-econômica completa, por meio da Reforma Agrária seguida da Reforma Urbana, o que conduziria naturalmente a uma Reforma Empresarial.

Era imperioso, uma vez mais, acautelar os meios católicos. Plinio Corrêa de Oliveira, coadjuvado pelo economista Carlos Patricio del Campo, deu o brado de alerta no livro Sou Católico: posso ser contra a Reforma Agrária?, demonstrando que em vários de seus tópicos o documento da CNBB favorecia conclusões agro-reformistas que não encontravam fundamento nos ensinamentos tradicionais do Magistério Supremo: “Em consequência, o autor se sente no direito, enquanto católico, de combater a Reforma Agrária proposta no documento Igreja e problemas da terra. Um direito que ele tem na conta de um verdadeiro dever. Esse dever, ele o cumpre com tranquilidade de consciência, pois está seguro de agir, desse modo, segundo os ensinamentos e as praxes tradicionais da Santa Igreja” (Editora Vera Cruz, 1981, p. 34).



Plinio Corrêa de Oliveira e o economista Carlos Patricio del Campo deram o brado de alerta no livro Sou Católico: posso ser contra a Reforma Agrária?, demonstrando que em vários de seus tópicos o documento da CNBB de 1980 favorecia conclusões agro-reformistas que não encontravam fundamento nos ensinamentos tradicionais do Magistério Supremo

Não há progresso sem garantia ao direito de propriedade

Passadas tantas décadas, um insuspeito órgão de imprensa declara envergonhado o toque de finados da Reforma Agrária.

Esse toque de finados tem, por certo, diversos significados. Um deles é a constatação do desastre reinante nas verdadeiras “favelas rurais” em que se transformaram os assentamentos da Reforma Agrária. Exemplos vivos das fracassadas experiências coletivistas, eles são geradores de miséria para os pobres brasileiros envolvidos nesse processo; consomem o dinheiro da alta carga tributária extorquida aos brasileiros e impedem que milhões de hectares sejam devidamente aproveitados para a produção agropecuária. Isso, diga-se de passagem, no preciso momento em que as mesmas tubas publicitárias que fomentam a propaganda agro-reformista lançam mais uma dessas ondas alarmistas a respeito da eventual crise de alimentos no mundo.

Mas há um fracasso bem mais profundo: na marcha dos espíritos e das mentalidades, o progressivo descrédito da propriedade privada foi, em boa medida, sustado. Hoje, muitos dos que outrora se envergonhavam de defender a instituição da propriedade, declaram sem pejo que não existe verdadeiro e autêntico progresso sem a vigorosa colaboração da propriedade. E todos aqueles que se encontram em legítima ascensão social, mesmo os mais pobres, vêm na propriedade um bem a alcançar.

A Reforma Agrária tornou-se, pois, inviável.

Tentativa de implantação de um regime comunista no Brasil


Milhões morreram de fome na antiga União Soviética por causa de uma reforma agrária implacável ordenada pelo ditador Stalin

Diante de tal constatação, uma pergunta se impõe: o que teria ocorrido no Brasil se a investida agro-reformista tivesse saído vitoriosa?

Ela imporia um bouleversement completo da estrutura agrária do País, com a instauração de um férreo dirigismo estatal e a supressão da propriedade individual e da livre iniciativa. Este teria sido um passo fundamental para a implantação entre nós de um regime coletivista de inspiração socialista, que eliminando o instituto da propriedade teria extinguido uma das principais liberdades humanas: a de acumular o fruto de seu trabalho, fazer crescer seu patrimônio e transmiti-lo em herança.

O Brasil teria sido então transformado num imenso regime de servidão, cuja experiência coletivista não seria tão diferente das outras grandes experiências coletivistas que se viviam atrás da Cortina de Ferro e cujos resultados se podem resumir na trilogia: tirania, servidão e fome.

Longe do espírito de iniciativa que hoje constatamos em todas as classes, longe da prosperidade que faz com que tenhamos um processo de melhoria econômica e de legítima ascensão social que já dura há décadas, nossa Pátria ter-se-ia tornado uma imensa Cuba, o modelo tão adulado pelos agro-reformistas.

O comunismo internacional – que nas décadas de 50-60 se encontrava num auge de ofensiva expansionista – teria deste modo cravado uma garra no gigante católico da América Latina. A partir dessa conquista, sua política expansionista se teria acentuado e com certa facilidade conquistado outras nações latino-americanas, com a preciosa colaboração dos esforços da esquerda católica presente em todos os países.

Este desastre foi evitado ao Brasil, objetivamente, pela impossibilidade da vitória do “sonho” (pesadelo!) agro-socialista, confiscatório.

Se o Brasil fosse comunista, teria desmoronado a URSS?

Uma outra consideração pode ser aqui enunciada. Em meados da década de 80, enorme descontentamento se espalhava pelo mundo soviético. Surgiu, então, das fileiras do Comitê Central do Partido Comunista, como figura inovadora, o futuro Secretário-Geral e líder da União Soviética, Mikhail Gorbachev. Ele se projetou como o homem que vinha operar uma mutação do comunismo, com a Perestroika, sem abandonar o regime nem desfazer a União Soviética, como ele mesmo fazia questão de ressaltar; uma Perestroika que devia estender-se igualmente ao mundo livre, numa convergência do Ocidente com o comunismo “renovado”.

Mas, enfraquecida durante décadas por um totalitarismo estatista, a exangue Rússia Soviética necessitava naquele momento de um apoio internacional vigoroso. Apoio geopolítico estratégico e fonte de abundantes riquezas e recursos naturais. Esse apoio devia estar, normalmente, no Novo Mundo, no grande bloco latino-americano... mas não estava. No decurso de quase três décadas, o Brasil resistira à investida agro-reformista e à revolução que decorreria da implantação radical desta. Evitara para si o desastre comunista e ajudara a evitá-lo também para o resto da América Latina. É de se supor que, se o comunismo tivesse sido vitorioso na América Latina, provavelmente a União Soviética nem sequer teria chegado ao estado de prostração, de humilhação e de vergonha em que se encontrava.

Por diversos fatores, entre os quais o acima mencionado, a União Soviética terminou por esboroar-se. “A morte da União Soviética foi a maior catástrofe geopolítica do século”, reconheceu Vladimir Putin, o ex-oficial da KGB, atual primeiro-ministro da Rússia.

Fracasso do projeto agro-reformista salvou o Brasil

O Brasil, pelo contrário, transformou-se em uma potência agrícola que deslumbra o mundo. É a pujança da propriedade individual e da iniciativa privada que se desdobram em criatividade, em espírito empreendedor e em atividades desbravadoras que beneficiam visivelmente no seu conjunto todo o País e todas as classes sociais.

Do ponto de vista sob o qual estamos analisando a realidade, pode afirmar-se que o Brasil hodierno tem diante dos olhos dois destinos: um que é, e outro que teria sido.

O primeiro destino é seu presente, borbulhante de vitalidade, no qual a harmonia social permanece como nota predominante no convívio entre classes desiguais, em que a propriedade privada — apesar de combatida e cerceada — é o grande motor do inegável crescimento econômico e social que tem conduzido o País a posições de destaque, feito crescer o bem-estar interno e cuja experiência já começa a ser cobiçada por países (como Moçambique) vítimas também do atraso a que os reduziu em matéria de agricultura o dirigismo estatal.

O outro (infeliz) destino – que teria sido o de todo o País – está refletido no fracasso do projeto agro-reformista, cujas experiências baseadas nas ideologias socializantes só geraram fracasso, miséria e assistencialismo. A este projeto a revista “Carta Capital” decretou o “dobre de finados”: Reforma Agrária, descanse em paz.

Luta anti-agro-reformista de Plinio Corrêa de Oliveira


Plinio Corrêa de Oliveira

Talvez na hora da análise dos dados da produção agrícola crescente, da constatação do crescimento do consumo interno de alimentos, da realização das grandes negociações internacionais de commodities agrícolas, da consideração dos avanços nas técnicas da agropecuária nacional, muitos se esqueçam da longa trajetória de lutas que se tem travado no País em torno do direito de propriedade da terra e que tornou possíveis todos esses resultados.

Para bem de nossa Pátria, o agro-reformismo fracassou em seus intentos mais radicais e também no esforço de conquistar as mentalidades dos brasileiros médios. Diante desse resultado, auspicioso e de reconhecida importância, é imperioso reconhecer com gratidão o percurso de lutas, rico em esforços árduos e desinteressados, que situa a figura de Plinio Corrêa de Oliveira num plano ímpar da pugna em prol do sagrado direito de propriedade na história contemporânea do Brasil.

 

Agro-ecologia: o novo nome da velha Reforma Agrária socialista e confiscatória

Nem os desastres mais espetaculares, nem os fracassos mais evidentes fazem os defensores do agro-socialismo confiscatório desistir de suas idéias utópicas e sectárias.


Foto: U. Dettmar/ABr

João Pedro Stédile

João Pedro Stédile é um dos arautos dessa nefasta “utopia”. Líder de uma organização – o MST, que atenta habitualmente contra o Estado de Direito com suas invasões de propriedades –, ele repete sem cessar as mentiras mais descaradas a respeito da situação rural do País.

De acordo com sua entrevista concedida a “Carta Capital”, 66 mil fazendas – classificadas de grandes fazendas improdutivas – ocupam mais de 175 milhões de hectares. O que Stédile não explica em seu discurso fraudulento é como dezenas de milhares de fazendas “improdutivas” trazem à Nação êxitos crescentes e cada vez mais impressionantes na produção de alimentos que são consumidos em boa medida internamente no País. O que Stédile esconde é que as áreas destinadas hoje à Reforma Agrária ocupam mais de 80 milhões de hectares, sem qualquer produção significativa, sobrevivendo muitas vezes de distribuição de cestas básicas. Aliás, o dado fornecido por Stédile é inteiramente deturpado: há atualmente 4.920.465 propriedades rurais. As áreas destinadas ao cultivo são de 60 milhões de hectares e as atribuídas à pecuária, 200 milhões.

Mas Stédile insiste na meta de “desapropriação de terras e democratização da propriedade”, um eufemismo para a meta última do agro-socialismo confiscatório: a expropriação (sem indenização) e a coletivização da terra.

Para atingir essa meta, as “razões” mudaram. Agora não são mais as imaginárias hordas de camponeses indignados e esfomeados em busca de terra, mas a agressão ao meio ambiente através do cultivo da terra e o esgotamento dos recursos naturais provocado pretensamente por proprietários movidos por anseios egoísticos de lucro, de luxo, de status e de desigualdade. Acenando com mitos infundados e pouco científicos dos chamados “ambientalistas”, para Stédile a solução agora tem um nome: a agro-ecologia, que não é senão a tentativa de tornar inviável a produção agropecuária por meio de absurdas e abusivas legislações ambientais. Tudo com a finalidade de desmantelar essa imensa estrutura “injusta” e “malfazeja” baseada na propriedade privada e na livre iniciativa. Para esses utopistas – escreve Plinio Corrêa de Oliveira – “o futuro está em dividir tudo por igual, acabar com as competições, as ‘carreiras’, liquidar as imensas estruturas econômicas, políticas, administrativas e sociais” (Tribalismo indígena, ideal comuno-missionário para o Brasil no século XXI, Ed. Vera Cruz, 1977, p. 10).

Tais legislações ambientais visam engessar qualquer atividade agropecuária da iniciativa privada e são bem diversas de uma ordenação das atividades produtivas proporcionada através da qual o homem, pelo sábio aproveitamento dos dons de Deus e da natureza dadivosa, extrai desta os meios para o seu sustento.

Curiosamente, os acampamentos da Reforma Agrária estão imunes, na prática, a tal malha legal, e neles qualquer “crime” ambiental é justificado ou acobertado.

Agro-ecologia! Mudam-se os pretextos, mas a meta mantém-se: a supressão da propriedade privada e das decorrências desta, a coletivização da terra e a redução da produção humana a meras atividades de sobrevivência, geradoras de inevitável miséria.

Afinal, para as correntes mais radicais, a miséria não é consequência de um fracasso, mas uma meta a alcançar. O miserabilismo tornou-se um ideal!

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