Reforma Agrária: uma revolução malograda


02/11/2011

José Carlos Sepúlveda da Fonseca

Tentou-se realizar no Brasil uma verdadeira revolução agrária como meio para se implantar um regime comunista. Hoje a própria esquerda confessa, contrariada, o fracasso. O novo nome da velha Reforma Agrária é “agro-ecologia”.

Há poucas semanas a revista “Carta Capital” estampou matéria de grande relevância. Mas o corre-corre do acontecer contemporâneo e o estranho e quase completo silêncio de outros órgãos da mídia impediu que a referida matéria alcançasse o devido destaque.

Tomando toda a capa da revista, um extenso gramado coberto de uma infinidade de cruzes brancas alinhadas evoca a imagem de um cemitério de guerra. Em primeiro plano um boné do MST repousa sobre a cruz que se destaca, transmitindo a ideia de desalento fúnebre que atinge o “movimento social” mais proeminente no País. Ao lado, em letras grandes e de cor contrastante, o título: Reforma Agrária, descanse em paz.

O conjunto busca transmitir com impacto uma mensagem clara a quem tenha apenas a oportunidade de ver a revista em alguma banca, sobre a mesa de uma sala, numa escrivaninha de trabalho de um escritório.

A simples consideração da montagem de capa não deixa dúvidas a respeito do teor da matéria no interior da revista: o dobre de finados da Reforma Agrária, uma das metas revolucionárias mais almejadas, há décadas, por todo o tipo de líderes políticos e movimentos ideológicos, mais ou menos influenciados pelas concepções socialistas, comunistas ou até anarquistas, com destaque para a chamada esquerda católica.

Esse dobre de finados não foi um toque isolado. Foi antes o apogeu simbólico de uma série de notícias e comentários que se sucederam nos últimos meses apontando o fracasso agro-reformista.

“Extrema unção” da Reforma Agrária


Foto: José Cruz/ABr

Lula colocou na cabeça o boné do MST, mostrando a disposição de tomar como parceiro esse "movimento social"

Quem, movido pelo interesse ou então pela simples curiosidade, folheie a revista, verá reforçada na página 22 sua impressão do toque de finados da Reforma Agrária. Assinada por Ricardo Carvalho e Soraya Aggege, a matéria intitula-se: Extrema unção.

A reportagem, que se estende até a página 28, tem o tom de uma confissão mal-humorada. A essência do texto encontra-se na afirmação de que “o sonho da reforma agrária no Brasil agoniza”. Seja-nos permitido o parêntese, mas teríamos vontade de prontamente contrarrestar que felizmente e para bem do Brasil, não é o sonho, mas o pesadelo da Reforma Agrária que agoniza.

Fechado o brevíssimo parêntese, detenhamo-nos em alguns aspectos da referida reportagem, que a exiguidade do espaço não permite analisar de modo detalhado.

Habitualmente próxima aos chamados “movimentos sociais” (MST e outros) e simpática ao agro-socialismo confiscatório, “Carta Capital” é insuspeita. O que de si realça o valor da confissão de fracasso do modelo agro-reformista frente ao modelo da propriedade privada: “O PT, a partir da experiência no governo, demonstra ter concluído, como várias correntes do pensamento econômico, que a reforma agrária clássica, da distribuição de terra, não faz mais sentido”.

Esquerdistas não reconhecem uma evidência: “favelas rurais”


Foto: Marcello Casal Jr./ABr

Trata-se, como dissemos, de uma confissão mal-humorada, pois no momento mesmo de reconhecer o desastre do modelo agro-reformista, a matéria, para não “dar a mão à palmatória” — de acordo com a expressão popular — está eivada de chavões papagueados há décadas pelos agro-reformistas, de afirmações contraditórias ou gratuitas, de distorções e omissões graves.

Segundo a reportagem, por exemplo, “os índices de produtividade — já de si um mecanismo arbitrário de penalização do direito de propriedade — favorecem os proprietários que mantêm grandes extensões de terras praticamente sem produção”! Como? Por quê? Onde? Não está dito.

Como é sabido, não existem praticamente grandes extensões de terras sem produção, em mãos de proprietários particulares. E a própria revista acaba por reconhecê-lo, logo a seguir, ao afirmar que o preço do hectare de terra “segue em constante valorização”, fruto da enorme produtividade alcançada pela agropecuária nacional e da “expansão das fronteiras agroindustriais”. A matéria omite, por outro lado, que os milhões de hectares sob a égide da Reforma Agrária constituem um fracasso de produtividade e estão isentos da cobrança de tais “índices de produtividade”. O que a reportagem não consegue esconder é que muitas vezes só a distribuição de cestas básicas nos acampamentos da Reforma Agrária pode aliviar a penúria dessas verdadeiras “favelas rurais”.

“Carta Capital” põe ainda em evidência um paradoxo: “Não deixa de ser irônico que as últimas pás de cal [em cima do “sonho” da Reforma Agrária] tenham sido despejadas por governos petistas, partido historicamente ligado aos movimentos sociais do campo. Mas é fato”. E acrescenta que, ao tomar posse em 2003, Lula havia prometido resolver com uma canetada a questão dos índices de produtividade, atualizando os mesmos. “Faltou tinta na caneta”, acrescenta.

A revista escamoteia a realidade. Na verdade, Lula da Silva foi alçado à Presidência da República com forte apoio dos movimentos pró-Reforma Agrária, incluindo a Comissão Pastoral da Terra (CPT) e boa parte dos meios ligados à esquerda católica. O INCRA e o Ministério do Desenvolvimento Agrário foram, sobretudo em seu primeiro governo, loteados entre os representantes radicais do agro-reformismo. E, em marcante gesto político, Lula colocou na cabeça o boné do MST, mostrando a disposição de tomar como parceiro esse “movimento social”, cujos métodos de ação desrespeitam sistematicamente o Estado de Direito: “Não pensem que eu não acordo de madrugada pensando numa reforma agrária radical e numa distribuição de renda justa”, declarou o ex-presidente (“O Estado de S. Paulo”, 30-4-03).

Em 2003, lançou ainda um Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA), coordenado por Plinio de Arruda Sampaio, plano que gozava do apoio da CNBB e previa a expropriação sumária de grandes extensões de terra.

Na realidade Lula prometia dar impulso ao agro-reformismo “com uma canetada”. Mas não faltou tinta na caneta — ao contrário do que afirma “Carta Capital”. O que explica a mudança de orientação dos governos petistas ou, pelo menos, a paralisia destes, foi a acentuada oposição sofrida pelos mesmos da parte do brasileiro médio. Por isso o paradoxo!

O que está ausente da análise de “Carta Capital” é precisamente a consideração desta oposição que a grande maioria dos brasileiros de há muito demonstra ao agro-reformismo. Oposição que tem um histórico, e talvez seja neste campo – da conquista das mentalidades – que a Reforma Agrária tenha sofrido um dos seus maiores insucessos.


Dom Hélder Câmara jogou-se radicalmente pela implantação da Reforma Agrária socialista no Brasil

Reforma Agrária: uma verdadeira revolução agrária no Brasil

Cabe, pois, a pergunta: qual o significado profundo desse fracasso, desse dobre de finados da Reforma Agrária?
Não se trata apenas do fracasso de um modelo de produção. É o malogro de uma revolução! Da revolução agro-socialista confiscatória que visava mudar em profundidade a fisionomia do Brasil: “A lei que implantasse a Reforma Agrária constituiria uma revolução. Revolução de índole social e econômica, porque a Reforma Agrária visa alterar a estrutura da sociedade e da economia. Revolução de cunho religioso, porque a alteração projetada é em si mesma contrária à lei de Deus e ao ensinamento da Igreja”, afirmava Plinio Corrêa de Oliveira no livro Reforma Agrária-Questão de Consciência (Editora Vera Cruz, 3ª ed., São Paulo, 1961, p. 46).

Foi precisamente contra esta profunda revolução religiosa, política e social — discernida em seus alvores — que Plinio Corrêa de Oliveira empreendeu desde os anos 60 uma batalha de idéias sem trégua. Para ele não se tratava apenas de preservar um modelo de produção agropecuária, mas de defender em suas raízes cristãs o que poderíamos chamar de civilização brasileira; de impedir que fosse convulsionado o ambiente de harmonia de classes que imperava no relacionamento social; de não permitir que a liberdade dos brasileiros de desfrutarem do direito de propriedade fosse trocada pela servidão reinante nos países que jaziam sob o inclemente totalitarismo materialista e coletivista, imposto pelas ideologias socialo-comunistas classificadas anos mais tarde pelo então Cardeal Ratzinger como a “vergonha de nosso tempo”.

Che Guevara, Reforma Agrária e tomada do poder

Para bem se entender a dimensão desse fracasso da Reforma Agrária — a revolução malograda! — convém lançarmos um olhar retrospectivo.

Nos anos 50-60 o Brasil e a América Latina eram alvo da atuação ardida das mais variadas correntes esquerdistas (marxistas, trotskistas, maoístas, etc.) que, em grande medida inspiradas pela revolução comuno-castrista de Cuba, tinham de algum modo em vista implantar “ditaduras do proletariado”, não hesitando muitos desses grupos e militantes em empreender a luta armada revolucionária.

Che Guevara, o cruel guerrilheiro transformado em ídolo por certa esquerda, proclamava a necessidade de uma Reforma Agrária para o êxito da revolução e a consequente tomada do poder: “A base das reivindicações sociais que o guerrilheiro deve levantar, será a mudança da estrutura da propriedade agrária... a luta deve desenvolver-se, pois, continuamente sob a bandeira da reforma agrária” (cfr. Oeuvre I – Textes Militaires, Maspero, Paris, 1976, pp. 52,53).

A Reforma Agrária era, aliás, desde os anos 20, uma das metas reivindicadas no Brasil pelo Partido Comunista, uma aspiração de ideólogos difundida nas exíguas fileiras de ativistas que se reuniam em torno do partido, mas sem raízes na opinião pública.

Esquerda católica e distorção do ensinamento de Nosso Senhor


Foto: Antônio Cruz/ABr

Dom Tomaz Balduíno entra na Catedral de Brasília com o MST

Para vingarem e se consolidarem, as revoluções necessitam conquistar o que se poderia chamar o “centro decisivo” da nação. E essa conquista se faz antes de tudo nas mentalidades.

No Brasil dos anos 50-60 — e em boa medida no resto da América Latina — a esquerda radical, pouco numerosa mas ruidosa, tinha adeptos em diversas redações de jornais, rádios e televisões, em certos ambientes universitários, em setores do mundo artístico e cultural, bem como entre socialistas de salão ou de porta de livraria. Mas sua penetração no público em geral era minguada.

Devido à índole pacífica do povo brasileiro – à bondade inerente a seu temperamento; à sua aversão às tensões sociais e ao embate de classes; sobretudo à influência das tradições cristãs de concórdia e benquerença, bem como ao respeito ainda arraigado à instituição familiar e à sua correlata, a propriedade privada –, o conjunto da opinião pública nacional não se deixava penetrar pelos pruridos revolucionários dessas minorias de ideólogos e de ativistas.

Para levar esse conjunto a uma mudança de posição, só mesmo um trabalho metódico por parte do clero que apelasse às consciências, procurando mobilizar a larga influência religiosa e o prestígio histórico da Igreja.

A infiltração esquerdista nos meios católicos já então se fazia sentir. E seus agentes, distorcendo os ensinamentos de Nosso Senhor Jesus Cristo, iam operando uma paulatina mudança nas mentalidades, erodindo as resistências às idéias revolucionárias. O alvo primordial era a propriedade privada; o método, o ataque aos proprietários.

Meta revolucionária: destruir a harmonia social no Brasil

O processo de formação do País tinha naturalmente gerado uma elite — a dos fazendeiros — que se requintava em cultura e saber, que fizera suas lavouras crescerem em meios de produção, em culturas diversificadas.

Além disto, essa elite – em sua grande maioria ainda impregnada pela tradição cristã luso-brasileira de trato afável, que sabe que as relações de trabalho se expandem para muito além da relação patrão-empregado – gerava relações de afinidade, de benquerença, de cuidado e desvelo, de proteção mútua.

Todo este quadro, em que trabalhadores manuais iam tendo suas posses, adquirindo suas terras e tantas vezes se impregnando do trato e do refinamento de seus patrões, criava um ambiente avesso a revoluções, a inversões profundas da ordem.

Esta ordem baseada na propriedade e na família era de molde a preservar as tradições do País e o espírito cristão.

Para aqueles que, em nome de ideologias essencialmente materialistas e ateias, viam nas relações humanas, especialmente entre patrões e empregados, uma fonte de inesgotáveis conflitos, de intermináveis ódios e incompreensões, que seriam o motor da evolução histórica rumo a uma sociedade radicalmente igualitária, sem hierarquias sociais, sem propriedades e sem família, era necessário dar uma machadada em toda esta organização sócio-econômica.

A Reforma Agrária — sob diferentes pretextos — era, pois, o machado, a solução mágica e revolucionária para alcançar esse fim.

Reforma Agrária:
“Não há cadastro público; os líderes são contraditórios; não temos números oficiais...”


Foto: Wilson Dias/ABr

Ministro do Desenvolvimento Agrário, Afonso Florence

A política de Reforma Agrária tem consumido ao País milhões e milhões de reais, literalmente extorquidos aos contribuintes pela acachapante carga tributária em vigor.

Seria necessário que o Poder Público prestasse contas claras e precisas desses seus programas, mediante a coleta científica e imparcial de dados estatísticos inteiramente elucidativos de toda a realidade rural brasileira contemporânea, bem como dos programas de Reforma Agrária. A partir desta elucidação, honesta e objetiva, seria possível, aos mais diretamente interessados, e à opinião pública em geral, avaliarem a necessidade ou não das políticas de Reforma Agrária.

Plinio Corrêa de Oliveira, aliás, propôs mais de uma vez pela imprensa diária, essa elucidação objetiva como solução para a controvérsia agrária em curso no País: “A partir desta realidade assim elucidada, seria possível às várias correntes de opinião discordantes, travar de modo objetivo, substancioso e fraterno, uma polêmica ou um diálogo aberto e capaz de preservar a paz social, e operar na paz os progressos e quiçá as modificações que a justiça e a caridade eventualmente sugerissem” (No Brasil: A Reforma Agrária leva a miséria ao campo e à cidade, Editora Vera Cruz, 1986, 2ª ed., p. 19).

Enquanto muitos continuam a vociferar exigindo mais desapropriações e mais distribuição de terras, com base em argumentos demagógicos ou fundados em análises teóricas pouco vinculadas à realidade, o Poder Público demonstra que no campo agro-reformista oficial reinam a imprecisão e a confusão. É elucidativa a breve entrevista do atual ministro do Desenvolvimento Agrário, Afonso Florence, estampada por “Carta Capital”, da qual transcrevemos alguns tópicos:

“CC: Eu gostaria que o senhor fosse mais específico ao menos em relação aos números.

AF: O PPA (Plano Plurianual) está em elaboração. Nós estamos aperfeiçoando nosso planejamento. Estamos conversando com movimentos sociais, quilombolas... Mas vamos ampliar e consolidar os assentamentos.

CC: Não há sequer estimativas, uma ideia geral de quantas famílias serão assentadas em 2011?

AF: Não trabalho com estimativas e não temos números aqui que permitam um planejamento. Primeiro vamos levantar os números reais.

CC: Ministro, qual é a demanda nacional por reforma agrária?

AF: Não há cadastro público de demanda. Há acampamentos, mas os líderes são contraditórios nos dados. Não temos números oficiais.

CC: Mas, como ministro, o senhor não tem ideia da dimensão atual da demanda por reforma agrária no Brasil? O Incra trabalha com a estimativa das famílias acampadas, de 170 mil, pelo número de cestas básicas distribuídas pelo governo nos acampamentos.

AF: Não é possível estimar a demanda. Não creio que sejam 170 mil famílias. Veja, o governo, por orientação da presidente Dilma, vai trabalhar com o planejamento inclusive de gestão fundiária. Não posso, como ministro, dizer que os dados não são confiáveis. Mas há, por exemplo, áreas cadastradas no Incra superiores ao tamanho dos próprios municípios onde estão localizadas. [...]

CC: Quando o governo Dilma terá um planejamento sobre as metas de assentamentos, de distribuição de terras?

AF: Não temos esse planejamento nem o teremos muito rapidamente. [...] Olhe, eu gostaria de ter os instrumentos apurados, mas não os tenho”.

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