Resistência heróica da Igreja clandestina na China
Monumento em homenagem ao padre jesuíta Matteo Ricci |
Segundo especialistas, a China está vivendo uma "quinta evangelização". Uma pedra preservada no Museu Provincial de Shaanxi, além de descrever a doutrina e o cerimonial cristão, comprova que o cristianismo percorreu a Rota da Seda e chegou àquele país em 635, durante a dinastia Tang, levado por um monge nestoriano de origem assíria.
O segundo esforço, desenvolvido durante um século pelos franciscanos, começou no fim do século XIII, com o missionário Frei João de Montecorvino, elevado a arcebispo pelo Papa Clemente V.
A "terceira evangelização" ocorreu no começo do século XVI, quando jesuítas, franciscanos, agostinianos e dominicanos tentaram penetrar no “Império Celeste”, mas não conseguiram ir além do porto de Guangzhou. No fim daquele século, porém, o famoso jesuíta Pe. Matteo Ricci e seu companheiro Michele Ruggieri conseguiram estabelecer-se em Pequim, graças ao prestígio alcançado pelos seus conhecimentos astronômicos. Verificaram-se muitas conversões nas classes dirigentes e nas camadas populares. Por volta do ano 1700 já havia cerca de 200 mil católicos na China, mas a erupção da chamada "querela dos ritos" e a decisão papal de proibir as cerimônias de homenagem aos ancestrais conduziram à proibição do cristianismo pelo imperador, à deportação dos missionários e à clandestinidade do clero, dos catequistas e dos fiéis chineses, tendo sido o culto católico declarado "perverso".
Mártires da China |
A "quarta evangelização" começou em meados do século XIX, quando o Tratado de Tianjin garantiu a liberdade religiosa para os cristãos. Muitas ordens religiosas voltaram ao Império do Meio e o Vaticano estabeleceu os vários territórios eclesiásticos. Alguns missionários franceses chegaram até os confins do Tibet, mas foram martirizados junto com os nativos convertidos ao catolicismo, durante uma revolta organizada pelos lamas budistas. Muitos missionários e dezenas de milhares de fiéis foram igualmente massacrados durante a rebelião dos Boxers, um movimento ocorrido em 1900 contra a presença estrangeira e em particular do cristianismo, o qual conduziu à total destruição de igrejas, seminários, hospitais e orfanatos católicos.
Nas décadas que se seguiram reinou relativa paz, proporcionando uma prosperidade missionária para a Igreja. Em 1930 já havia mais de 40 igrejas apenas em Pequim. Mas, em 1949, com a vitória dos comunistas na guerra civil, começou nova era de perseguição cruenta. Em 1955 os missionários foram expulsos e milhares de católicos foram enviados para "centros de reeducação", inclusive o principal prelado no país, Dom Inácio Kung Pin-Mei (mais tarde cardeal), bispo de Xangai, aprisionado durante 30 anos por recusar-se a romper seus vínculos com Roma.
Primeiros bispos chineses |
Em 1957 o Partido Comunista inaugurou uma igreja cismática denominada "Associação Católica Patriótica", a qual não reconhece o Papa como Supremo Pastor do rebanho católico e até hoje obedece cegamente às diretrizes do bureau de Assuntos Religiosos do Partido Comunista.
Durante a Revolução Cultural (1966-1976), todos os que se diziam católicos, inclusive os que seguiam os pastores cismáticos da "Igreja Patriótica", viram-se obrigados a esconder-se para escapar à perseguição maoísta.
O regime comunista chinês começou a conceder relativa liberdade somente após a queda do Muro de Berlim e o colapso do comunismo na Europa do Leste, dando-se início à "quinta evangelização". À diferença dos anteriores esforços de evangelização do país, que dependiam sobretudo de missionários estrangeiros, a atual propagação da fé é impulsionada pelos próprios sacerdotes e leigos católicos chineses que resistiram à perseguição comunista.
Cardeal Joseph Zen Ze-kiun, bispo emérito de Hong-Kong |
Nos últimos anos, o Vaticano tem procurado estabelecer uma distensão em relação ao governo de Pequim, reconhecendo bispos cismáticos ainda filiados à “Igreja Patriótica” (cinco milhões de seguidores) e procurando obter a aprovação do governo para seus candidatos, com vistas à substituição dos bispos falecidos ou muitos idosos da Igreja clandestina (a única legítima, com oito milhões de fiéis).
Em maio de 2007, Bento XVI escreveu uma Carta aos Católicos Chineses, tentando explicar essa política e favorecer uma aproximação entre os fiéis clandestinos e "patrióticos". De um lado, a carta pedia aos bispos clandestinos que procurassem obter o reconhecimento do governo e, de outro, incitava os bispos filiados à “Igreja Patriótica”, reconhecidos pelo Vaticano, a tornarem pública sua fidelidade ao Papa. Contudo, quase nenhum destes últimos atendeu ao pedido.
Num primeiro momento, as autoridades comunistas seguiram a proposta do Papa, tendo alguns bispos sido nomeados conjuntamente pelo Vaticano e a “Igreja Patriótica”. Porém, a partir de meados de 2010, o regime de Pequim recomeçou a política de nomear bispos para a “Igreja Patriótica” sem o aval do Vaticano e até forçando os prelados reconhecidos por Roma a participarem da sagração dos novos bispos ilegítimos. Alguns dos bispos reconhecidos pelo Vaticano chegaram a ser conduzidos à força para a cerimônia.
Zhang Qingli - mais conhecido como o "Buldogue do Tibet" |
A essa violência o Vaticano replicou com uma declaração oficial, na qual afirmava que os novos bispos consagrados e os bispos consagrantes estavam automaticamente excomungados. A tréplica do governo não tardou. Em agosto último, Zhang Qingli – mais conhecido como o "Buldogue do Tibet" devido à repressão que comandou contra os budistas tibetanos – foi nomeado Secretário do Partido Comunista da província de Hebei, onde residem cerca de um quarto dos católicos clandestinos...
O Cardeal Joseph Zen Ze-kiun, bispo emérito de Hong-Kong, não hesitou em declarar, durante uma conferência de imprensa, que "neste momento, há uma guerra". E, pouco depois, publicou matéria paga no jornal “Apple Daily”, dirigindo forte apelo ao presidente e ao primeiro ministro da China, visando impedir que "funcionários párias" usassem de violência "para ajudar a escória da Igreja a forçar bispos, sacerdotes e fiéis a agir contra a própria consciência".
Em carta aberta, o cardeal escreveu:
"Ninguém sabe quanto tempo vai durar este terrível inverno, mas nossos fiéis não têm medo, ou vão superá-lo com fé e oração, que lhes darão força para imitarem os mártires canonizados e os heróis vivos da fé e darem um testemunho corajoso de nosso Salvador Ressuscitado. Queridos irmãos e irmãs na fé, eu vos saúdo! De vosso velho irmão que quase se envergonha de viver em liberdade." |