CHINA
Salva-vidas ou a maior ameaça global?


21/11/2011

José Antonio Ureta

Todas as atenções se voltam para o Império do Meio, cujo vertiginoso crescimento econômico não cessa de atrair exaltações hiperbólicas. Mas cresce também o poderio militar de um governo que além de não ter renunciado à ideologia marxista, ainda mantém a implacável repressão policialesca própria dos regimes comunistas. Assim, pode-se perguntar: é prudente aliar-se à China? Seu crescimento não corresponde a uma “bolha”? Não há o perigo de a civilização pagã subjugar a civilização ocidental e cristã? Vale a pena o Ocidente correr o risco de tal ameaça? A presente matéria mostra a face coruscante e a face obscura do "Tigre de Papel".

A grave recessão que golpeia as grandes economias deixou as nações ocidentais mais endividadas, mais enfraquecidas e mais vulneráveis. As atenções voltam-se cada dia mais para os países emergentes — particularmente para a China — como a última tábua de salvação capaz de evitar uma nova Grande Depressão que teria consequências incalculáveis. Mas eis o preço a pagar: fechar os olhos para as violações dos direitos humanos naquele país asiático, permitir que ele se arme, e reconhecê-lo como "economia de mercado", com as evidentes vantagens econômicas, políticas e militares para Pequim.

O “jogo vale a vela”? A China é capaz de assumir estavelmente a posição de locomotiva do crescimento econômico do mundo? A consequente hegemonia política contribuirá para a paz e a estabilidade universal ou, pelo contrário, aumentará o risco de desestabilização e conflito?

Para dar a uma resposta objetiva e matizada a tais indagações importa discernir sem preconceitos as luzes e sombras do quadro. É o que pretendemos fazer nestas linhas, como corresponde a uma revista de cultura católica. Tomaremos como bússola não os interesses deste ou daquele país, desta ou daquela área de civilização, deste ou daquele setor econômico ou corrente política, mas o supremo interesse das almas.

Uma geopolítica católica


Missionário ensina às crianças chinesas os mistérios da nossa fé

O pranteado Papa Pio XII disse certa vez que "a Igreja é um fato histórico que, como uma possante cadeia de montanhas, percorre a história dos dois últimos milênios".

Queira-se ou não, é em função de Nosso Senhor Jesus Cristo que a História se desenrola. Um de seus campos são os povos cuja cultura se pode dizer ainda cristã. Outro campo é o daqueles povos que não reconheceram ainda a divindade de Jesus Cristo e que aberta ou veladamente O combatem.

Jesus Cristo e seu Corpo Místico — a Santa Igreja Católica — são realmente a pedra de escândalo do passado e do presente. E é em função dessa pedra angular que o futuro se desenvolverá.

É por isso que os católicos de qualquer parte do mundo são levados a desejar, para as respectivas nações, prestígio cultural, força econômica, influência política (indissociável, neste vale de lágrimas, do poderio militar), de modo que o mandato de Nosso Senhor possa ser mais facilmente levado a cabo: "Ide e evangelizai todas as nações!".

Foi precisamente o que se deu a partir da Idade Média, quando os povos cristãos passaram a ser os líderes do mundo. E continuaram a sê-lo mesmo após a Renascença, que marcou o início da decadência da Cristandade: quer sob o império da Casa d’Áustria, em cujas terras "o sol não se punha", nos séculos XVI e XVII, quer sob a hegemonia política e cultural francesa, no século das Luzes. Nem a dominação inglesa no século XIX, nem o poderio dos Estados Unidos no século XX, alteraram essa constante. Nem mesmo o imenso polvo comunista sino-soviético, no auge da Guerra Fria, conseguiu tirar do Ocidente o cetro geopolítico do mundo.

Embora a civilização ocidental — em suas manifestações mais essenciais, mais profundas e mais características — seja hoje em dia neopagã, e seu neopaganismo seja, em certo sentido, mais radical que o dos orientais, ainda restam nela, borbulhantes e sob várias formas, inestimáveis valores cristãos tradicionais oriundos desta perpétua fonte de vida espiritual renovada que é a Santa Igreja Católica sediada em Roma. De sorte que erraria gravemente quem dissesse que a hegemonia cultural e política do Ocidente sobre o Oriente não trouxe e não trará ainda ao mundo imensos benefícios.

Nesse contexto, não é de estranhar que as forças do mal tenham como principal ponto de mira eliminar toda influência cristã no mundo, erradicando na medida do possível o cristianismo no Ocidente, enfraquecendo as nações outrora cristãs e transferindo, tanto quanto possível, o centro geopolítico para os países pagãos do Oriente.

A China e a meta de erradicar o cristianismo

A China é precisamente uma nação que, em sua imensa maioria, jamais foi cristã. Pior ainda, sobre seu velho tronco pagão inseriu-se o mais venenoso enxerto neopagão: o comunismo. Pois ela passou a ser dirigida com mão de ferro, a partir de 1949, pelo Partido Comunista Chinês. Este introduziu, por sua vez, nos últimos anos, novo enxerto igualmente venenoso e neopagão: o frenesi  hiperprodutivista de algumas grandes companhias macrocapitalistas ocidentais. Ambos enxertos estão reduzindo à sua mínima expressão as simpáticas tradições que a China conservava de seu glorioso passado imperial.

De onde engrandecer a China hodierna às expensas do Ocidente é transferir gradualmente a preponderância do mundo do cristianismo para o do paganismo — a menos que, sob o influxo do Espírito Santo, que sopra onde quer, a expansão da Igreja Católica no antigo Império do Meio mude radicalmente o panorama... Mas essa aspiração parece bem longe de sua realização.

Uma vez que o cetro do mundo amarelo — e, em boa medida, de todo o orbe — está passando gradualmente para as mãos da China, cabe a pergunta: Qual será a configuração que tomará um mundo futuro sob a influência preponderante desta? Quais são os temores ou as esperanças que essa perspectiva abre em função do grande ideal de reconquista do mundo para Jesus Cristo?

Neste umbral do terceiro milênio, é principalmente a partir dessa visualização religiosa que a situação geopolítica do mundo e a fulgurante ascensão da China comunista no cenário mundial devem ser analisadas.

A China de hoje: a face coruscante da moeda


Mao Tsé-Tung foi o promotor da sinistra Revolução Cultural empreendida em meados da década de 1960

Os arranha-céus de Xangai levam-nos por vezes a esquecer que poucos anos atrás a China jazia na mais aviltante miséria, não tendo literalmente do que se alimentar. Foi esse o resultado do comunismo e, em particular, da sinistra Revolução Cultural empreendida por Mao Tsé-Tung em meados da década de 1960.

Se a China conseguiu desenvolver-se e alçar-se à atual condição de potência emergente foi graças ao concurso das empresas macrocapitalistas ocidentais que, em detrimento da economia e da mão-de-obra de seus respectivos países, fizeram investimentos colossais na China e deslocaram para lá quase toda a sua produção industrial.

Impulsionada por Deng Xiaoping, a China introduziu, de fato, a partir de 1978, elementos de economia de mercado, permitindo a entrada controlada do capital estrangeiro e criando, na sua faixa litorânea leste, as chamadas Zonas Econômicas Especiais (ZEE). Nestas se instalaram as empresas de capital misto, que podem investir, com o apoio de cientistas europeus e norte-americanos, em ciência e novas tecnologias. Por outra parte, no setor agrícola, a responsabilidade sobre a produção, a propriedade dos meios de produção e as decisões foram transferidas das comunas e governos locais para os próprios agricultores.

Apenas 25 anos mais tarde, em 2003, os investimentos estrangeiros tinham passado de US$ 5 bilhões a US$ 60 bilhões, o PIB havia se multiplicado praticamente por sete, o ingresso per capita por cinco, e a produtividade da mão-de-obra por quatro. A parte da China no PIB mundial tinha passado, no mesmo período, de 5 a 15% (se calculada segundo a paridade de poder de compra).

O valor total do comércio exterior chinês elevou-se de 20,6 bilhões de dólares, em 1978, para 1,1548 trilhão de dólares em 2004, subindo do 38o lugar para o 3o lugar no ranking mundial. No ano retrasado ela superou a Alemanha como o maior exportador do mundo.

De 2004 até hoje, a China continuou a crescer a um ritmo anual médio de 9,65% e, em fevereiro deste ano, passou o Japão como segunda maior economia mundial.

Por causa de seu superávit comercial, a China acumulou imensas reservas de câmbio (4,21 trilhões de dólares, equivalentes a 30% das reservas mundiais). Na história moderna, nunca um só país concentrou tal quantidade de recursos financeiros. Seus fundos soberanos de investimento lhe servem de instrumento para uma ofensiva neocolonialista em todas as latitudes, particularmente na África e na América Latina, onde se encontram as matérias primas de que seu território carece.

Numa palavra, o Império do Meio transformou-se, aparentemente, na maior successful story da história econômica da humanidade.

O lado obscuro e perigoso da medalha: o "Tigre de Papel"

Porém, como frequentemente acontece, as aparências enganam...

1. O PIB por habitante

Ainda que o PIB chinês exibido pelas autoridades comunistas (e sujeito à caução!) chegasse um dia a equiparar-se ao dos Estados Unidos, há um detalhe geralmente esquecido: é que a China, no ranking mundial do PIB/habitante do Banco Mundial, situa-se atualmente no 100° lugar, entre Angola e Tunísia!

E no dia em que o tamanho da economia chinesa tiver alcançado a de seu rival americano (calcula-se que isso poderá dar-se por volta de 2050), seu PIB por habitante ainda representará uma magra quarta parte do PIB per capita americano ou canadense...

Isso quer dizer que, caso continue a crescer no ritmo atual por mais 40 anos, a China ainda será um país em desenvolvimento, no qual uns 50 milhões gozarão de um nível de vida ocidental, 350 milhões de um nível equivalente ao da Rússia de hoje, e um bilhão de pessoas ainda viverão na miséria negra deixada pelo socialismo.


O número de revoltas sociais na China é de 180 mil por ano! Manter unido o conjunto do país implicará no reforço ainda maior do já implacável aparelho repressivo militar e policial

2. As revoltas populares

É fácil imaginar o grau de descontentamento que emergirá dessa massa imensa, submersa na mais extrema pobreza, obrigada a emigrar para outras regiões e a conviver com o luxo ostentador de uma minoria de oportunistas e de membros da antiga Nomenklatura. Um estudo de acadêmicos da Universidade de Tianjin contou 90 mil episódios de revolta, incluindo distúrbios de rua e petições, somente no ano 2009. Segundo o maior especialista vaticano da China, o missionário Pe. Bernardo Cervellera, o número de revoltas sociais é de 180 mil por ano! Manter unido o conjunto do país implicará no reforço ainda maior do já implacável aparelho repressivo militar e policial.

3. A falta de criatividade e de iniciativa

A limitação do acesso à informação e à educação de um tal sistema repressivo acarretará a jugulação do capital intelectual e do espírito de empreendimento, que para florescer adequadamente requerem um clima de liberdade individual.

É essa falta de criatividade que obriga os dirigentes comunistas chineses a desenvolver descaradamente e em larga escala a espionagem industrial, a fim de copiar as descobertas e os modelos desenvolvidos alhures. E nem sequer conseguem copiar direito, como ficou comprovado nos recentes acidentes do trem de alta velocidade e do metrô de Xangai.


A China especializou-se na falsificação de inúmeros produtos, chegando ao extremo de "piratear" até lojas de marcas famosas como a da Apple da foto

Num mundo globalizado e hiper-concorrencial, regido por aquilo que os economistas chamam de "inovações de ruptura", que mudam os parâmetros de determinado setor da economia (é só pensar nos lançamentos da Apple quando estava sob o comando de Steve Jobs), a China não tem nenhuma possibilidade de ganhar a corrida; e limitar-se-á ao seu atual papel de gigantesco empreiteiro das multinacionais à procura de uma mão-de-obra barata. Ou da maior oficina de contrafação da Terra...

Recentemente tivemos o escândalo das falsas lojas da "Apple" e da "Ikea" (depósito de 10 mil metros quadrados), funcionando em Kunming, capital da província de Yunnan, no sudoeste da China. Alguns anos atrás houve o rumoroso caso da joint-venture entre a Embraer, produtora brasileira de aviões civis de alcance médio, e a estatal chinesa CAIC, a qual aproveitou a parceria para roubar a tecnologia brasileira, rompendo logo depois o contrato para desenvolver seus "próprios" aviões.

Essa falta de criatividade e iniciativa pesará cada vez mais sobre a economia chinesa.

4. O socialismo de Estado

Tanto mais quanto os setores mais importantes e lucrativos da economia estão reservados às empresas estatais, que se beneficiam de 80% dos empréstimos bancários. O resultado é que, enquanto apenas 150 empresas de dimensão nacional e 120 mil empresas regionais se aproveitam da parte do leão, quatro milhões de empresas privadas e algumas dezenas de milhões de pequenos negócios particulares, geralmente informais, devem lutar por migalhas. Segundo as estatísticas, essas 150 grandes empresas geram mais de 2/3 do PIB chinês e seus lucros correspondem à metade da riqueza nacional.

Apesar de muitas empresas estarem listadas na bolsa de valores, ou oficialmente privatizadas, o governo retém na realidade pelo menos a metade — até 2/3 — das ações e seus dirigentes são escolhidos pela Comissão de Supervisão e Administração do Patrimônio, após consulta ao Partido Comunista.

Não é de surpreender que 2/3 dos membros das diretorias e 3/4 dos executivos sejam dirigentes ou membros do Partido Comunista chinês, atualmente com 85 milhões de membros e uma lista de espera com 80 a 100 milhões de oportunistas. O atual primeiro-ministro Wen Jiabao gabou-se, ainda em 2008, de que "o Partido Comunista Chinês representa o povo e, portanto, a ditadura do proletariado é o melhor sistema do mundo"...

Como a China continua a funcionar na base de "planos quinquenais", o esquálido setor privado é obrigado a agir no quadro estrito fixado por um partido ditatorial que considera o acesso ao desenvolvimento pela maioria da população como uma ameaça a seu poder.

Nenhum empresário pode desenvolver suas atividades sem se submeter inteiramente às ordens do partido único e sem corromper os funcionários do Estado e os quadros dirigentes do Partido. Além do mais, pelo sistema de leasing por 70 anos, nada na China pertence verdadeiramente aos particulares, nem a terra e nem sequer as casas.

5. A fuga de cérebros

O resultado desse clima é que os melhores empresários, aqueles que conseguiram sobreviver e enriquecer-se, estão investindo de modo maciço no exterior, para ali instalar suas famílias e conseguir um passaporte estrangeiro. Estados Unidos, Canadá e Austrália estão sendo seus destinos preferidos. Segundo um relatório conjunto do China Merchants Bank e da empresa norte-americana Bain & Co., de 20 mil chineses detentores de uma riqueza de pelo menos 15 milhões de dólares, 27% já emigraram e 47% estão pensando em fazê-lo. Somente no ano passado, 68 mil chineses conseguiram a invejada green card americana.

6. A "fratura geográfica"

A única solução para evitar essa contínua "fuga de cérebros" seria liberalizar o regime. Porém, isso provocaria outros problemas tanto ou mais graves, decorrentes dos abissais desequilíbrios regionais, sociais e étnicos existentes na imensa China. Com efeito, não só o antigo Império do Meio é vítima dos separatismos tibetano e uigur, como a própria identidade chinesa passa por uma grave crise, causada pela "fratura geográfica" existente entre as regiões costeiras desenvolvidas e o interior agrícola atrasado, ou ainda pelas lutas entre o poder central e os poderes locais, dominados por pequenos potentados.

7. A penúria energética e a poluição

Uma das questões que provocam fricções entre as regiões é o acesso aos recursos energéticos. Na China, não somente faltam a terra cultivável e a água, mas o próprio desenvolvimento tem acarretado uma dramática "penúria energética". Segundo a Agência Internacional de Energia, em menos de uma década o consumo energético da China duplicou. Ela se tornou assim o maior consumidor do mundo, ultrapassando inclusive os Estados Unidos.

A China é o primeiro país produtor e consumidor de carvão (67% de sua energia é termoelétrica), desde que, em 1959, o Grande Salto multiplicou os pequenos fornos termoelétricos até nos vilarejos do interior. É o que explica o fato de o céu de quase todas as suas cidades — especialmente Pequim — serem cinza e não azul, e que 30% das chuvas ácidas que poluem o Japão venham da China...

Ademais, enquanto as minas de carvão situam-se no norte, 71% das indústrias consumidoras estão localizadas sobretudo no leste. É por isso que a metade do frete ferroviário é monopolizada pelo transporte de carvão. Por outro lado, os poços de petróleo e de gás encontram-se no noroeste, o que obriga à construção de longíssimos e enormes oleodutos e gasodutos.

Não é de estranhar que o número de acidentes do meio ambiente tenha aumentado exponencialmente nos últimos anos e que os rios da China sejam os mais poluídos do mundo.

Uma das soluções mais econômicas é a hidroeletricidade — de onde o interesse em controlar com mão de ferro o Tibet, do qual parte a maioria dos rios —, mas todas as barragens chinesas (incluída a gigantesca Três Gargantas) representam menos de 10% da produção atual.

8. O envelhecimento da população

Entretanto, o maior “calcanhar de Aquiles” da República Popular da China é o envelhecimento de sua população, fruto da irracional política do "filho único", instituída pelo governo chinês em 1979. A taxa de fertilidade é estimada entre 1.5 e 1.8 crianças por mulher em idade reprodutiva, abaixo da taxa de 2.1, necessária para manter estável a população.

Eis as três consequências principais dessa política do "filho único":

a) o desequilíbrio da proporção dos sexos no nascimento (principalmente devido ao aborto das meninas por nascer), que é atualmente de 120 meninos por cada 100 meninas, resultou na carência de 20 a 30 milhões de moças com as quais os rapazes pudessem se casar;

b) a transformação da pirâmide das idades, que colocará uma carga excessiva nos ombros da atual geração de jovens, os quais terão de arcar sozinhos com a manutenção de seus pais idosos. Em 2007, o número de chineses na idade de aposentar era de 144 milhões. Espera-se que em 2035 esse número será de 391 milhões (mais do dobro), enquanto o número de jovens vai diminuir. Essa diminuição já se nota nas escolas: em 1995 havia 25,3 milhões de novos alunos; em 2008, a cifra já tinha caído para 16,7 milhões; em 1990 havia na China mais de 750 mil escolas primárias; em 2008 elas tinham diminuído para perto de 300 mil, por causa da queda da natalidade;

c) o declínio da força laboral, que nos últimos dez anos já significou uma baixa de 14% do número de jovens trabalhadores de 20 a 29 anos de idade (a queda vai chegar a 20% nos próximos 20 anos). Dessa escassez de mão-de-obra resultará o aumento das exigências salariais dos novos trabalhadores.

9. A bolha imobiliária e a inflação

A essas gravíssimas fraquezas estruturais soma-se uma alarmante fraqueza conjuntural: a bolha imobiliária e o aumento da inflação.

Com efeito, a fim de manter um crescimento de dois dígitos apesar da crise financeira de 2008, o partido ordenava ao Banco Central facilitar o crédito e incitar os particulares a investir no setor imobiliário, de um lado, e de outro encorajava os potentados locais a desenvolver uma política de construção de infra-estruturas (grande parte delas inúteis).

Isso deu lugar à especulação no setor da construção e à formação de uma imensa bolha imobiliária: a participação do setor da construção no PIB subiu, nos últimos anos, para mais de 20%, fazendo com que os preços dos imóveis disparassem muito acima das possibilidades de aquisição de uma família da classe média (por isso há dezenas de milhões de apartamentos e casas desocupados). Para se ter um termo de comparação, no auge do boom do tijolo na Espanha e na Irlanda, a participação da construção no PIB foi, respectivamente, em torno de 11% e 9,4%; ou seja, a bolha da China é o dobro da espanhola e da irlandesa. O que acontecerá quando a bolha chinesa explodir? Basta considerar o que aconteceu na Espanha e na Irlanda...

Segundo os dados disponíveis, o endividamento interior é atualmente equivalente a 125% do PIB, estimando-se que a metade dessas dívidas são irrecuperáveis. Por isso, as agências de notação já começaram a rebaixar a nota dos bancos e das empresas públicas chinesas.

A inflação foi outro resultado dessa mesma abertura do crédito. Como as taxas de juros oferecidas pelos bancos para os depósitos são claramente inferiores ao aumento dos preços, os chineses são incitados a gastar o dinheiro rapidamente em bens que podem manter seu valor. Isso retro-alimenta a inflação. Nos últimos meses ela se situa acima de 6% ao ano, afetando, sobretudo, os setores que se referem à vida quotidiana: alimentação, alojamento, etc. As medidas de contenção têm alcançado resultados insignificantes e o controle dos preços de certos legumes apenas alimentou o mercado negro.

10. As novas exigências salariais

Em vista disso, e da diminuição da entrada de jovens no mercado de trabalho, os assalariados começaram a exigir das empresas aumentos significativos de seus salários. Não conseguindo absorver os gastos, as empresas são obrigadas a repercutir nos preços. Isso leva os assalariados a reclamar novo aumento, etc., conduzindo a uma "espiral preços-salários" que encarecerá os produtos chineses no mercado exterior. Ou seja, precisamente na contramão daquilo que tem sido a base do "milagre chinês": a mão-de-obra barata e as exportações a baixo custo.

*       *       *

Tudo somado, o crescimento desequilibrado da China, por mais espetacular que tenha sido nas últimas décadas, pode não passar de um espelhismo passageiro.

Nesse caso, voltar-se-ia contra a China o apelativo que Mao Tsé-Tung atribuiu aos Estados Unidos: um "tigre de papel

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