Coréia do Norte — campo de concentração e acordo duvidoso


12/06/2012

Cid Alencastro

Relato de sobrevivente de campo de concentração na Coréia do Norte e considerações sobre o acordo deste país comunista com os Estados Unidos


Kim Hye-sook

Durante 28 anos, a norte-coreana Kim Hye-sook foi encerrada num campo de concentração de seu país. Desde os 13 anos, como castigo pela fuga de seu avô para a Coréia do Sul, o governo a sentenciou, junto com a família, à prisão.1

Mesmo as crianças eram obrigadas a trabalhar. Seu pai morreu num “acidente”. "Um dia antes da execução, guardas anunciavam a todos o que ocorreria e éramos obrigados a assistir à morte dos prisioneiros, muitos deles amigos nossos". A cada pessoa morta, os prisioneiros tinham de gritar: "Em nome do povo, liquidaremos os contra-revolucionários".

Tinha-se que proclamar elogios ao Grande Líder e frequentemente os carcereiros mandavam que a pessoa ficasse de joelhos e abrisse a boca. Colocavam então excrementos de animais e a faziam engolir. "Isso ocorreu comigo três vezes", disse Kim. Comida era coisa rara, por isso houve até cenas de canibalismo.

Afinal, conseguiu fugir: "Se um dia souberem dentro do campo que eu fugi para o Ocidente, eles [meus parentes] serão executados em público”. Por isso ela mudou totalmente sua apresentação.

Kim quer agora revelar o que é o regime norte-coreano e seu sistema prisional contra os opositores.

Na ONU, a embaixadora brasileira se absteve na resolução que condenava Pyongyang por violações dos direitos humanos.

Situação calamitosa do país

Mas não é apenas nos campos de concentração que falta comida. Como acontece nos países comunistas, em que a propriedade privada é coarctada, não há produção de alimentos e a fome é generalizada. Na década de 1990 morreram 1,5 milhão de pessoas de inanição e a subnutrição afeta 25% dos habitantes (e 47% da população infantil).

O dinheiro do país é concentrado na produção de armamentos. A Coréia do Norte teria em estoque de seis a oito bombas de plutônio e um número não sabido de mísseis com alcance de cinco mil quilômetros. Com 1,2 milhão de soldados, seu exército é o quarto maior do mundo.

É o contrário da Coréia do Sul, constituída pelo mesmo povo, mas onde vigora o regime capitalista, com liberdade e abundância de gêneros alimentícios e desenvolvimento tecnológico.

A garra da ditadura comunista nortecoreana é onipresente no país
O foguete Unha-3, fotografado em Tanga-chai-ri, dias antes de sua fracassada missão

Acordo com os EUA


Foto de abril deste ano que mostra as precárias ferramentas de trabalho dos camponeses nortecoreanos

Devido à trágica situação do país, a Coréia do Norte aceitou agora suspender seu programa nuclear em troca de comida doada pelos Estados Unidos. Pyongyang diz que interromperá testes nucleares e o enriquecimento de urânio, além de permitir o retorno dos inspetores da ONU; em troca, Washington enviará 240 mil toneladas de alimentos ao país comunista.

A Coréia do Norte concordou também com uma moratória no tocante ao lançamento de mísseis de longo alcance. Os disparos criavam forte tensão na Coréia do Sul e no Japão.

Embora o acordo tenha sido recebido com euforia por setores de esquerda no Ocidente, ele levanta algumas graves interrogações para as quais não é lícito fechar os olhos.

Os alimentos irão para os civis ou para o exército? De outro lado, um abrandamento da fome na população não será usado pelo governo comunista para diminuir o descontentamento generalizado contra o regime e assim reforçar as correntes da tirania, bem como sua perpetuação? A prazo médio, não agravará o problema da fome, uma vez que as causas permanecem? Não será a emenda pior do que o soneto?

Além disso, é razoável que o governo Obama faça tal acordo sem exigir o fim da tirania? A julgar pelo noticiário, a população norte-coreana receberá os alimentos como se fosse uma esmola concedida pelo ditador Kim Jong-um, enquanto os campos de concentração continuarão a existir com suas atrocidades.

Em Pyongyang, o acordo poderá ser crucial para o jovem e inexperiente ditador consolidar seu poder e garantir o apoio de um exército poderoso, dizem analistas na Coréia do Sul. A chegada de 240 mil toneladas de alimentos dos EUA deverá ajudá-lo.

Qual a vantagem desse acordo para Obama dentro dos Estados Unidos? Prestigiar-se em vista das próximas eleições? Esse aumento de prestígio compensa a perpetuação da tirania comunista na Coréia do Norte? É moralmente lícito?

Também não está garantido que Kim Jong-un cumprirá o acordo, pois seu governo deixou claro que o prosseguimento da moratória nuclear dependerá de "diálogos produtivos". De momento, o único que se tem é algo em que nunca se pode confiar: “palavra de comunista”.

Aliás, pouco depois do acordo, os EUA tiveram de suspender o envio de alimentos, ao menos temporariamente, pois Pyongyang reafirmou que iria testar um foguete que Washington teme fazer parte do programa nuclear do país.2 Convém lembrar que o lançamento desse foguete resultou em fracasso.

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Notas:
1. “O Estado de S. Paulo”, “Éramos Animais”, Jamil Chade, 8-1-12
2. “Agência Estado” e “O Estado de S. Paulo”, de 1º a 29-3-12.

Veja:
Revista Catolicismo

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