Das eleições na Ucrânia à conversão da Rússia


18/02/2005

Luis Dufaur

Está em andamento na Ucrânia um processo de conversões ao catolicismo. Se aumentar em fervor, bem pode ser um início de realização da promessa feita por Nossa Senhora em 1917, de que a Rússia se converteria.


Manifestação pró Viktor Yushchenko, candidato vitorioso, em Kiev

Notícias promissoras têm-nos chegado da Ucrânia. Sob forma de disputa política, para se livrar do sinistro passado da URSS, está se jogando naquele país um capítulo chave da grande questão religiosa de nossos dias: o cumprimento das promessas de Nossa Senhora em Fátima sobre a conversão da Rússia e o triunfo do Imaculado Coração de Maria.

Com efeito, em 1917, quando a Virgem Santíssima prometeu em Fátima a conversão da Rússia, a Ucrânia fazia parte do império dos czares. E não era uma parte qualquer, pois esse país é o berço histórico de “todas as Rússias”.(1)

Os católicos e a esperança de conversão do Oriente


Catedral Católica de São Jorge, em Kiev

Em 988 recebeu o batismo SãoVladimir, o Grande, Grão Duque de Kiev e de todas as Rússias. Logo se empenhou na destruição dos ídolos pagãos e na conversão dos seus súditos. De Kiev —hoje capital da Ucrânia—, os sucessores de São Vladimir governaram um colossal império em gestação.

Poucos séculos depois, os czares mudaram a capital de Kiev para Moscou. Mas antes dessa mudança acontecera uma desgraça: eles haviam rompido sua ligação com os Papas, aderindo à chamada igreja ortodoxa. Cismática inicialmente, ela tornou-se depois também herética, aceitou logo uma aviltante submissão ao poder temporal, e a corrupção tomou conta de seu clero.

Coube à Ucrânia a glória de reverter, ao menos parcialmente, essa deplorável apostasia. Em 1596, sob o pontificado de ClementeVIII, bispos inconformados com o cisma voltaram a unir-se à Santa Sé, passando a ser conhecidos como uniatas. Foi um acontecimento transcendental na história da Igreja. O Papa UrbanoVIII, na beatificação de SãoJosaphat, grande apóstolo da reunificação, afirmou: “Por meio de vós, meus ucranianos, eu espero converter o Oriente”.(2)

Perseguição virulenta contra os greco-católicos


Berezhany: igreja em ruínas após o comunismo

Aquele ato de fidelidade atraiu sobre os católicos ucranianos a fúria dos cismáticos, atiçada especialmente pelo espúrio patriarcado de Moscou, atingindo patamares infernais sob o regime soviético. A Igreja Católica foi oficialmente supressa. Bispos, sacerdotes e fiéis foram perseguidos, deportados e martirizados com sanha inaudita. Todos os bens da Igreja Católica foram confiscados pelos comunistas e entregues aos cismáticos, porque os católicos recusavam-se, por amor à Fé, a aceitar o socialismo dos soviets, enquanto o clero cismático curvou-se logo ante o monstro anticristão. Mais ainda, colaborou ativamente com a tirania marxista. Milhões de ucranianos morreram de fome, frio e doença sob o tacão de uma reforma agrária radical e desumana, e muitos outros seguiram para o exílio.

Igreja ressurge da perseguição marxista

Com a queda da Cortina de Ferro em 1991, surgiu uma aurora esperançosa para os heróicos católicos ucranianos. Impulsionados por admirável determinação, ergueram-se da prostração muito mais numerosos do que se supunha. Recuperaram muitas igrejas e mosteiros, banindo o clero cismático que os ocupava ilegitimamente. A Igreja Católica saiu da perseguição aureolada com o prestígio dos seus mártires, enquanto a igreja cismática ficou marcada pela vergonhosa colaboração que prestou ao perseguidor anticristão.(3)

A nova situação criou condições favoráveis para uma rápida conversão de incontáveis russos. Por esta via abriu-se imensa possibilidade de expansão do catolicismo pelo mundo russo até os mais longínquos confins da Sibéria. Nesse sentido, a Ucrânia parece ser o país onde mais claramente está germinando a conversão futura da Rússia, anunciada por Nossa Senhora em Fátima.

Diante dessa perspectiva, velhos espectros do cisma e do comunismo saíram de sua aparente sepultura, e hoje tudo intentam para impedir que tal conversão se concretize. O patriarca cismático de Moscou —ele próprio ex-agente da polícia secreta soviética— não cessa de trovejar contra o apostolado dos católicos, enraivecido pela erosão de suas bases.

Vitoriosa epopéia eleitoral dos ucranianos


Kiev, 23-11-2004: protesto contra fraude na eleição.

Por sua parte, o presidente Putin tampouco poderia tolerar que a Ucrânia escapasse do tirânico controle de Moscou. Ele influenciou vigorosamente as recentes eleições presidenciais ucranianas, tentando colocar no poder o candidato pró-Rússia. Nessas eleições ocorreram inclusive falsificações sistemáticas.

Os católicos ucranianos logo compreenderam que nessa eleição jogavam-se sua liberdade religiosa e sua independência. Myroslav Marynovich, vice-reitor da Universidade Católica de Lvov, explicou: “A eleição de Viktor Yanukovych [o candidato de Putin] faria pesar uma grande ameaça sobre nossa Igreja.[...] Como em Moscou, nós não teríamos mais o direito de rezar”.(4)

A conjunção do renascer católico e do revigoramento do sentimento nacional, do qual participam também muitos cismáticos, gerou um possante movimento que levou a novas eleições presidenciais, desta vez com a vitória do candidato pró-ocidental Viktor Yushchenko.


Viktor Yushchenko em julho e novembro de 2004 (com sinais de envenenamento)

Mas tal movimento teve que vencer formidáveis obstáculos. O presidente então em exercício defendia os interesses do antigo esquema soviético. As fraudes nas eleições foram grosseiras e monumentais, provocando manifestações em prol de um novo segundo turno do pleito presidencial. O oposicionista Yushchenko, ao que tudo indica, foi envenenado por agentes da KGB, com tóxicos que lhe debilitaram o organismo e deformaram o rosto. Sua campanha foi acintosamente sabotada em largas regiões vizinhas da Rússia.

A interferência de Putin no processo eleitoral foi contínua. Mais de 10.000 soldados dependentes do Ministério do Interior foram mobilizados para reprimir com tanques e gases os pacíficos manifestantes. Porém, centenas de agentes da repressão negaram-se a cometer esse crime e uniram-se aos manifestantes, enquanto muitos franco-atiradores tomaram posição para resistir ao esmagamento da vontade popular pelo neocomunismo. A divisão nas tropas paralisou a manobra ditatorial, que poderia ter mudado não só o rumo da Ucrânia, mas também da Rússia e do mundo.(5)

O povo ucraniano desafiou todos os perigos. No rude inverno que começava, multidões acamparam sob a neve na grande Praça da Independência de Kiev, diante dos prédios dos Poderes públicos e em grandes avenidas, para reivindicar novas eleições livres e não-fraudulentas. Face a tanta determinação, ficou impossível não convocar nova votação com supervisão internacional. Estas realizaram-se num contexto de liberdade básica e resultaram em cômoda vitória do candidato oposicionista, que Moscou rejeitava. Assim, em 23 de janeiro, em meio ao regozijo popular, o candidato pró-ocidental assumiu a presidência.

Fátima e perspectivas de conversão da Rússia


Multidão em Kiev, por ocasião da posse de Yushchenko

O catolicismo foi um dos grandes vencedores das eleições ucranianas. É de se esperar que ele se consolide e se expanda ainda mais na Ucrânia. Sem dúvida, continuará enfrentando novas insídias e intimidações das redes pró-comunistas e cismáticas. Deverá resistir —como já vem fazendo há tempo— às enganosas propostas de um falso ecumenismo que, sob pretexto de não irritar os inimigos da Igreja, na verdade freia o ritmo do apostolado junto aos não-católicos.

Mas, se prosseguir o clima de liberdades que parece inaugurar-se com essa eleição presidencial, e sobretudo se houver um afervoramento dos católicos ucranianos, pode-se perguntar se a conversão da Rússia, prometida por Nossa Senhora em Fátima, já não está a caminho... a partir da Ucrânia!

______________

Notas:

1. A expressão inclui, além da Ucrânia (ou “pequena Rússia”), a Bielorússia (ou Rússia branca) e toda a Rússia propriamente dita.

2. Cfr. Miroslav Zabunka e Leonid Rudnytzky, The Ukrainian Catholic Church, 1945-1975, St Sophia Association, Philadelphia, 1976, p.9.

3. A respeito da história religiosa da Ucrânia, recomendamos vivamente a leitura da entrevista concedida por D.Efraim B.Krevy, Eparca para os ucranianos católicos no Brasil, publicada por Catolicismo, edição de janeiro p.p.

4. “Le Monde”, Paris, 21-11-04.

5. Cfr. “The New York Times”, 14-01-05.

Veja:
http://www.catolicismo.com.br/

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