Crise artificial ameaça a América do Sul


17/03/2005

Alfredo MacHale

Em nosso continente — após fracasso do comunismo — os países mais esquerdistas procuram contagiar as nações consideradas menos de esquerda num imenso incêndio de agitações e luta de classes

Quando, em fins dos anos 80, teve início a queda do império soviético sob fortíssimos protestos populares, na América do Sul diversas crises começaram a afetar as forças e os líderes socialistas. Pois ficaram patentes as condições inumanas em que a seita comunista mantinha as nações sob seu domínio. Até então, as esquerdas haviam negado essa realidade agora evidente.

Colocou-se assim um problema agudo para os dirigentes da Revolução mundial: se continuassem obcecados pelos postulados igualitários, estatistas e totalitários de Marx e seus sequazes, podiam estar certos de sofrer, num país depois do outro, grandes fracassos eleitorais e enormes manifestações de descontentamento popular. Poderiam ver sepultadas por muitas décadas suas ambições de domínio mundial.


Da esquerda para a direita: os presidentes Chávez, Kirchner, Meza e Lula durante a posse de Tabaré Vésquez, no Uruguai

Muitos líderes da esquerda sul-americana não tiveram dúvidas: com uma versatilidade suspeita, “esqueceram-se” das palavras de ordem clássicas que tinham seguido amplamente, para adotar na aparência uma política muito mais moderada. Foi o caso, no Brasil, do Partido Comunista, que até mudou de nome: de PCB, passou a PPS.

Alguns deles pareceram aceitar inclusive a redução do Estado, a privatização de empresas públicas e a economia de mercado. Como também certas medidas que liberalizavam o comércio internacional e atenuavam as normas legais em questões trabalhistas, para incentivar o investimento e o emprego, de modo que pudessem prosperar.

Esquerda se metamorfoseia, e o otimista acredita...

Graças a essa adaptação às circunstâncias do momento, esquerdistas notórios — e às vezes alguns marxistas que até então tinham sido contumazes — começaram a ser admirados pelo establishment empresarial, esse otimista incorrigível que acreditava ter encontrado defensores eficazes num setor onde antes só havia inimigos.

De modo oposto ao que ocorrera durante décadas, numerosos esquerdistas preferiram camuflar-se ideologicamente para tentar obter acesso ao poder político, ainda que não o fossem utilizar –– ao menos num primeiro momento –– para impor sua ideologia. Insistir naquela hora no socialismo equivalia a apostar numa quimera.

Durante certo tempo, os socialistas sul-americanos se metamorfosearam em pragmáticos, passando a sustentáculos dos princípios que antes tanto combateram, como a necessidade do equilíbrio fiscal, a legitimidade da livre empresa, o freio ao intervencionismo estatal etc. Não para defender tais princípios como essenciais, mas tão-somente para, de momento, absterem-se de atacá-los de modo frontal... até que chegasse a hora de os suprimir.

Crises artificiais para favorecer o socialismo marxista

A adaptação dos socialistas às novas circunstâncias foi, contudo, muito mais aparente do que real; e a partir de então, sempre que puderam, impulsionaram políticas que minavam a coerência da economia de mercado, para ao menos tirar-lhe um pouco da eficácia.

Assim, a América do Sul esteve longe de obter nos últimos 15 anos o grande desenvolvimento que muitos esperavam após a ruína do comunismo, a atenuação do socialismo e o descrédito dos respectivos mitos. Por quê? Simplesmente porque muitos observadores e investidores internacionais duvidaram, com razão, da autenticidade da mudança e procuraram outros horizontes.

É verdade que investimentos afluíram ao continente, mas as aludidas incoerências afugentaram muitíssimos outros, de modo que a liberalização do regime econômico teve somente um êxito parcial e temporário, após o qual começaram a explodir as crises — muitas delas artificiais — e a acentuarem-se as medidas esquerdistas.

Aproximava-se assim o fim da comédia que os inimigos da propriedade e iniciativa privadas haviam representado, no papel de convertidos para esses princípios; como próximo estava também o dia do reinício de sua ofensiva contra ambas.

Que relação tem isto com os acontecimentos recentes da América do Sul, e que resultante se pode deduzir para o conjunto do continente? Vejamo-lo sumariamente, país por país.

Elenco sumário do sucedido na América do Sul

§        Argentina: Nos anos 90, teve 10 anos de peronismo reciclado, transformado aparentemente em neocapitalismo sob Carlos Menem, e uns três anos com Fernando de la Rua, do Partido Radical. O país passou por um cataclismo político, econômico e social devido a uma grave crise financeira. Sucedeu-os no poder, há dois anos, o peronista de esquerda Nestor Kirchner. Sem voltar totalmente à prática socialista clássica, ele deu vários passos nessa direção, articulando-se com outros governos de esquerda.

§        Bolívia: Depois de vários governos que, de boa ou má vontade, corrigiram algumas das aberrações cometidas no passado por socialistas, foi eleito presidente pela segunda vez, em 2002, Gonzalo Sánchez de Losada. Durou somente um ano, derrubado por ondas de protestos populares impulsionadas pela esquerda, assumindo o vice, Carlos Meza. Com a reviravolta política, as acomodações levaram a um governo precário, o qual subsiste a duras penas e só porque vários setores influentes sabem que, se cair, subirá outro pior.

§        Brasil: Após dois mandatos do socialista Fernando Henrique Cardoso, supostamente convertido à economia de mercado, acedeu ao poder o ainda mais socialista e reciclado Lula da Silva, produzindo um compreensível susto no mundo; e depois, definida sua linha de governo, um discutível alívio. Lula adotou a disciplina no gasto fiscal, defendida pelos capitalistas, e entrou em acordo com os bancos internacionais e com muitos empresários — o que não é tão difícil no tocante a estes últimos, muitos deles de mentalidade socialista. Porém, não cessa de impulsionar o coletivismo agrário e dar ostensivo apoio aos invasores de terras, que vêm convulsionando o campo e causando sérias apreensões a quem analise objetivamente a situação.

§        Chile: Teve, como se sabe, 17 anos de governo militar — anticomunista no âmbito político e liberal no econômico — que reergueu a nação do jugo de um regime marxista e da enorme miséria que este produzia, a ponto de a economia chilena ser até hoje a de melhor desempenho na região. Subiu depois a Democracia Cristã (DC) com o apoio socialista, e em seguida os socialistas com o apoio da DC, perfazendo 14 anos. Embora a situação econômica continue estável, o governo não cessa de estimular a crise moral e a decomposição da família, favorecendo decididamente a Revolução Cultural. Quando a instituição familiar tiver sido destruída, o socialismo terá obtido o que deseja: um país igualitário e amoral dominado pela esquerda.

§        Colômbia: Foge à regra, sendo o único país da América do Sul que progride, tanto no sentido moral e jurídico como no material, infligindo duros golpes ao terrorismo guerrilheiro e ao narcotráfico, buscando forçar todos os movimentos violentos a optar pela pacificação, de acordo com as normas do governo. A economia recuperou-se notavelmente e os índices de violência decrescem de modo paulatino. Tudo isso concorre para fazer de Álvaro Uribe o chefe de Estado mais popular da América e o mais popular presidente de seu país em um século.

§        Equador: Elegeu presidente, há dois anos, o ex-coronel golpista Lucio Gutiérrez, notório esquerdista e aliado do movimento indigenista na campanha eleitoral. De perfil muito parecido com o do presidente venezuelano Hugo Chávez –– ou seja, prepotente e socialista ––, Gutiérrez entretanto rompeu a aliança com os líderes indígenas e imprimiu um tom moderado ao governo, em colaboração com outras forças políticas. Ultimamente desligou-se delas, manobrando para dominar os tribunais de Justiça, que é outra receita chavista.

§        Peru: Após a queda do regime de Alberto Fujimori (2000) e um efêmero governo de transição, subiu ao poder em 2001 o esquerdista Alejandro Toledo, com claro apoio de certos elementos do mundo financeiro internacional. Não obstante, desde o início seu governo debate-se com uma crise permanente, devido ao fraco apoio da população, decorrente dos escândalos que o atingem a todo momento e da falta de rumo político, uma vez que a opinião pública não simpatiza com sua linha esquerdista.

§        Uruguai: Acaba de ser eleito um governo profundamente socialista, encabeçado por Tabaré Vasquez, aliado a ex-terroristas, os quais também fazem hoje alarde de serem moderados, em agudo contraste com a posição que defenderam durante décadas, o que é de molde a despertar ilusões na burguesia e demais correntes políticas.

§        Venezuela: Continua cativa do regime prepotente, populista e socialista de Hugo Chávez, fortalecido pelo referendo de agosto do ano passado. Jacta-se de ser um continuador de Bolívar, Perón, Fidel Castro e “Che” Guevara — o que não é difícil admitir. Chamou a si a tarefa de dobrar a imprensa independente e os tribunais de Justiça, formar com seus partidários e com recursos econômicos do Estado, provenientes do petróleo, milícias fanáticas para agredir e intimidar os opositores. Ao mesmo tempo, acolhe na Venezuela grandes contingentes de cubanos comunistas, que serão evidentemente elementos-chave para instaurar o comunismo ou um populismo despótico, assim que as circunstâncias o permitirem.

Perigos do contágio recíproco

Com esse fundo de quadro, o que se pode concluir sobre o rumo dos acontecimentos nos últimos meses? Dá-se no continente algo semelhante à situação de uma família cujos membros padecessem de diversas doenças graves, todas elas contagiosas: caso se contagiem reciprocamente, produzir-se-á por certo uma catástrofe.

Tal contágio é precisamente o que procuram induzir Fidel Castro e Hugo Chávez, ao tentarem formar uma coalizão internacional com Lula, Kirchner, Gutiérrez, Meza, Toledo e os guerrilheiros colombianos. Nela, obviamente, prevalecerão os mais esquerdistas, que se servirão dos que forem menos. Com isso, os guerrilheiros transformar-se-iam em modelos e mestres das hostes “bolivarianas” venezuelanas, do MST brasileiro, dos “piqueteros” argentinos e dos “cocaleros” bolivianos, bem como de outros movimentos de agitação social que pululam no continente.

Os adeptos da revolução indigenista, em conúbio com a esquerda católica, semearam o caos na Bolívia e no Equador, visando paralisá-los e arrastá-los a um regime tribal, coletivista e primitivo. Isto feito, procuram suscitar movimentos análogos no Peru, na Colômbia e no sul do Chile, ante a tolerância de grande parte das autoridades locais.

O forte combate ao terrorismo, à guerrilha e ao narcotráfico, realizado pelo governo Uribe com o apoio norte-americano, melhorou muito a situação desse país, mas os agentes desses três flagelos emigraram para nações vizinhas. Aí são protegidos e tolerados pelos governos locais, apesar de conhecerem o mal que os indesejáveis hóspedes causam à Colômbia, e que poderão produzir em seus próprios países a qualquer momento.

Perspectivas para o dia de amanhã

A Revolução na América do Sul tenta hoje avançar por essas três vertentes — terrorismo, guerrilha e narcotráfico — embora pudéssemos assinalar ainda outras variantes. Todas elas indicam a formação de uma frente de governos de esquerda que aspira — quando seus líderes tirarem as máscaras — a enfrentar os Estados Unidos e envolver todo o continente num verdadeiro incêndio de agitação, luta de classes, violência estatal e caos generalizado. Para de alguma forma compensar na América, como diz a própria esquerda, o imenso fracasso que teve no Leste europeu há 15 anos.

Porém, no momento em que os revolucionários resolverem jogar tudo por tudo, amparados na apatia das multidões e nas defecções dos falsos líderes, arriscam-se a ter uma nova e estonteante surpresa.

Com o auxílio da Santíssima Virgem, que tanto tem protegido a América, as reservas católicas hão de manifestar-se, as populações se polarizarão, e os dois lados — por Cristo e contra Cristo — poderão chegar ao enfrentamento, cabendo o triunfo aos defensores da Civilização Cristã, conforme prometido em Fátima

Veja:
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