O dilema das células-tronco
16/08/2005
Miguel Beccar Varela
É lícito eliminar uma vida para salvar outra?
A moral opõe-se ao progresso científico?
No
mundo pós-moderno, a realidade objetiva é manipulada e profundamente deformada
pelos meios de comunicação. Estes ‘informam’ as pessoas sobre uma realidade
que já não é mais a verdadeira, mas aquilo que os estudiosos chamam ‘hiper-realidade’,
artificialmente criada pela tecnologia da comunicação. A propaganda da
TV, por exemplo, simula imagens que intensificam a realidade, fabricam
um ‘hiper-real’ espetacular, um ‘real’ mais real e mais interessante que
a própria realidade.
As pessoas, num estado que se poderia chamar de
hipnótico, sofrem indefesas essas influências que subvertem sua visão das
coisas, e conseqüentemente, sua atitude perante elas. Tal “hiper-realidade”
as submerge num mundo de sonhos de uma realidade que não existe. Sonhos
de uma felicidade consistente no gozo da vida, longe de toda a esperança
do Céu. A Lei natural, e a moral católica sobretudo, são deixadas de lado
ou atacadas de frente por essa indústria do sonho.
Não encontrando no ambiente familiar — cada vez mais
evanecido — o apoio à voz da própria consciência, suas certezas morais
vão se apagando, e cada vez mais as pessoas se sentem sós. É essa a situação.
Cada um é uma ilha no meio da multidão.
A Lei natural, e sobretudo
a moral católica são deixadas
de lado ou atacadas de frente por essa indústria do sonho.
As ciências relacionadas com a vida — como a Medicina,
a Biologia, etc. — são objeto de especial interesse nessa manipulação avassaladoramente
hedonista e narcisista da realidade, na linha de alimentar o sonho de uma
vida sem dor, sem enfermidades, e talvez sem morte. O terrível é que, como
sempre acontece, tal sonho é apresentado como sendo realizável ao preço
do crime, ao preço do atentado contra a vida. É expressão da mentalidade
pagã, que dizia: “Meu bem-estar ao preço de tua desgraça, de tua morte”.
Há tempos já, a ciência da propaganda se ocupa das
“células-tronco”, terreno onde a verdadeira ciência tem realizado notáveis
avanços, e que os técnicos da “hiper-realidade” têm deformado até transformá-lo
numa peça a mais do sonho de um mundo sem dor; ainda que contra Deus.
Células-tronco embrionárias
e células-tronco adultas
Células-tronco (CT) são células não diferenciadas,
que se encontram no embrião humano e também no corpo do homem adulto, e
que se distinguem dos outros tipos de células por duas características
importantes. A primeira é que elas são capazes de se reproduzir mediante
divisão celular por longos períodos de tempo. A segunda é que — sob certas
condições fisiológicas — podem ser induzidas a se transformar em células
específicas com funções específicas, tais como células musculares cardíacas,
nervosas, pancreáticas produtoras de insulina etc. São chamadas “tronco”
por semelhança com o tronco de uma árvore, que se ramifica e se divide
em vários galhos. Elas são capazes de se “ramificar” em várias espécies
de células.
São conhecidos dois tipos de células-tronco (humanas
ou animais): as embrionárias (CTEH) e as adultas (CTAH). Segundo sua plasticidade,
isto é, sua capacidade de diferenciar-se numa maior variedade de tipos
de células, as CTEH são consideradas “pluripotentes”; as CTAH são “multipotentes”,
isto é, capazes de diferenciar-se em menor número de espécies.
Essas células, que há mais de 20 anos os cientistas
isolam dos ratos, foram também isoladas e cultivadas a partir de embriões
humanos em 1998. (1)
As pesquisas com CT para
fins terapêuticos deram
até agora diferentes resultados. As CTEH têm se revelado um fracasso, ao
passo que muitos e promissores resultados têm-se obtido com as CTAH.
Condenável utilização
do ser humano
Quando o embrião humano conta com cerca de cinco
dias de vida, é chamado blastocisto e contêm em seu núcleo umas 150 células
embrionárias pluripotentes. São essas as células extraídas para a experimentação
terapêutica. Evidentemente, tal extração de células significa a morte do
embrião, o que contraria frontalmente a moral e a ética.
Os embriões para essas experiências provêm das fecundações
realizadas em clínicas de fecundação in vitro. Como esse processo de fecundação
exige a formação de muitos embriões, dos quais apenas um será implantado
no útero, os outros são descartados, porém conservados vivos em câmaras
de baixíssima temperatura.
A quantidade de embriões que podem ser obtidos por
este meio é totalmente insuficiente para as experiências que se realizam
com as CTEH. Por isso, outra linha de pesquisa existe hoje, a “clonagem
terapêutica”. Muito sinteticamente, consiste em produzir uma cópia (clone)
do paciente a partir de um núcleo de uma célula tomada do próprio paciente.
Introduzida num ovócito (gameta feminino) ao qual se retirou o núcleo,
produz-se um embrião humano clonado do paciente.
Existe nos EUA e na Europa
um poderoso lobby que promove a liberação total da clonagem terapêutica e das pesquisas com CTEH.
A lei nos EUA proíbe que o Governo Federal financie esse tipo de pesquisas,
mas elas não são ilegais quando realizadas com fundos privados. Daí resulta,
por exemplo, que nos EUA são oferecidos 400 dólares por um óvulo humano.(2)
Não é difícil imaginar que muitas mulheres, atraídas pelo dinheiro, aceitam
degradar-se assim à condição de animais de laboratório.
Estranha
insistência ante
o fracasso de um mito
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Deve-se notar que não existe diferença qualitativa
entre clonar um embrião com fins terapêuticos ou fazê-lo com fins reprodutivos,
isto é, produzir um clone humano completo.(3) A revisão da literatura científica
sobre as pesquisas com CTEH com fins terapêuticos mostra que os resultados
têm sido repetidos fracassos. Isso se deve a várias razões. A primeira é que
elas provocam reação imunológica e conseqüente rejeição no corpo do paciente,
devido a estar nelas contida toda a fórmula genética do embrião de onde
foram extraídas, o qual era um ser humano distinto do paciente. O segundo
grande obstáculo é que elas têm uma forte tendência a produzir tumores
cancerosos, ao invés de células sadias. “Na China, por exemplo, foi levada
a cabo uma experiência com CTEH tomadas de ratos, que foram injetadas em
determinada região do cérebro de um paciente que sofria do mal de Parkinson.
Os resultados foram horríveis. As células embrionárias começaram a crescer
descontroladamente e se transformaram num teratoma, um dos mais primitivos
e malignos tumores que se conhecem. Na autópsia da vítima, encontraram-se
pedaços de pelos, ossos e pele no lugar onde fora feita a injeção das
CTEH”.(4)
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Com relação à “clonagem terapêutica”, os resultados
têm sido igualmente negativos. Um dos muitos inconvenientes desta técnica é apontado
pela Dra. Alice Teixeira Ferreira, da Unifesp: “Na clonagem terapêutica
se produzem embriões com o genoma do paciente, a fim de se obter células-tronco
cujo transplante não seja rejeitado. Mas se a doença do paciente é genética,
as células portarão o mesmo defeito”.(5)
* * *
Reconhecimento
de fracassos em investigação com células-tronco
embrionárias
Dr. James Thomson
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WASHINGTON, 27-6-05 — Centenas de cientistas que apóiam a investigação de
células-tronco embrionárias se reúnem nesses dias na Califórnia,
para discutir o estado atual do controvertido campo de estudo.
Na entrevista, admitem que não progrediram muito e estão perdendo
milhões, ao tratar de aperfeiçoar seus polêmicos experimentos.
Como informa LifeNews.com, o Presidente da Celgene, Alan Lewis,
declarou à Associated Press (AP) que “muitas das tecnologias que
mostramos ao público ainda não dão resultado”. Por sua parte, James
Thomson, o biólogo de Wisconsin que foi o primeiro a isolar células-tronco
embrionárias, também admite que seus méritos foram exagerados.
Thomson assinalou também que a tecnologia tem ainda um longo caminho
a percorrer, e admitiu que as células-tronco embrionárias ainda
não se utilizam em testes clínicos com seres humanos. “Espero que
existam algumas aplicações para esta tecnologia nos transplantes,
mas vão ser muito complicadas. Isto foi tão divulgado pela imprensa,
que as pessoas acreditam que o sucesso se alcançará logo”. Segundo
Thomson, as curas que possam provir deste tipo de células só ocorreriam
dentro de “10 ou 20 anos, contando a partir de agora”.
(“Agência
ACI”, 27-6-05).
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Métodos promissores negligenciados
pela mídia
As células-tronco adultas têm conseguido restaurar músculo cardíaco
lesionado
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Tem sido constatado que
as CTAH também podem ser
utilizadas para produzir novos tecidos que substituam tecidos enfermos
ou lesados de diversas enfermidades. A plasticidade dessas células multipotentes
se constata, por exemplo:
1 – As CTAH que se acham
na medula óssea são capazes
de se diferenciar em células musculares cardíacas. O número de pacientes
com insuficiência cardíaca grave, que têm sido curados com implantes dessas
células, cresce continuamente em vários países, inclusive o Brasil: “Desde
2001, pesquisadores brasileiros do Instituto do Milênio de Bio-engenharia
Tecidual vêm tirando pacientes da fila do transplante cardíaco, com o sucesso
do auto-transplante de células-tronco adultas”.(6) Também vêm sendo utilizadas
no Brasil as CTAH para regenerar lesões de nervos periféricos.(7)
2 – Também colhidas da medula óssea, CTAH têm sido
“orientadas” a se transformar em células do tecido nervoso, com êxitos
enormes no tratamento de doenças como o mal de Parkinson.(8)
3 – Têm-se também obtido êxitos no tratamento da
diabetes tipo I, implantando CTAH que se diferenciam em células pancreáticas
produtoras de insulina.(9)
Resultados das pesquisas com células-tronco: mais uma promessa
do que uma realidade
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Além dos êxitos terapêuticos, também as pesquisas
com CTAH avançam rapidamente. Por exemplo, uma comunicação científica da
Dra. Catherine Verfaille, da Universidade de Minnesotta, relata a possibilidade
de CTAH extraídas da medula óssea se transformarem em quaisquer tipos de
tecidos, ou seja, elas se tornam pluripotentes, coisa que até agora se
pensava só ser possível nas CTEH. As experiências realizados até agora
com essas células mostram que elas possuem o mesmo potencial das CTEH.
Verfaille afirma que seu laboratório tem conseguido isolar sem dificuldade
essas células em 70% das tentativas realizadas com adultos voluntários.
Relata que as células parecem estar crescendo indefinidamente no ambiente
de cultivo, como se fossem CTEH. Alguns desses cultivos vêm crescendo durante
quase dois anos, conservando suas características e sem dar sinais de
envelhecimento.(10)
Êxitos obtidos na utilização
terapêutica de CTAH
CTAH adulta vista no microscópio: capaz de diferenciar-se em menos
tipos de células
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Mais recentemente o Dr.
Rudolf Jaenisch, membro do Instituto Whitehead, que tem seus laboratórios no Massachusetts Institute
of Technology-MIT, em artigo publicado na revista especializada “Cell”,
afirmou ter desvendado o mecanismo que permite às células-tronco adultas
comportar-se como embrionárias, com a capacidade de se multiplicar em laboratório
ao mesmo tempo que se mantêm indiferenciadas. O segredo está guardado
numa “chave” molecular, o gene Oct-4.(11)
A utilização terapêutica das CTAH não apresenta as
desvantagens das embrionárias. Primeiro, porque sendo as células originadas
no corpo do próprio paciente, não apresentam perigo de rejeição imunológica.
Também porque as CTAH não produzem tumores cancerígenos ao serem enxertadas.
Por fim, e sobretudo, porque não existe o obstáculo moral, que é a destruição
de embriões.
Dr. Rudolf Jaenisch
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Em suma, são muito conclusivas as numerosas comunicações
científicas que mostram os êxitos obtidos com a utilização terapêutica
das CTAH, enquanto as CTEH acumulam fracassos. Mas, apesar das vantagens,
a imprensa científica e a de divulgação geral parecem tender a silenciar
os avanços no campo das CTAH, ao mesmo tempo que destacam muito quaisquer
avanços no terreno das pesquisas com as CTEH.
Sobre a posição moral e ética da Igreja no assunto,
nossos leitores poderão tirar grande proveito da clara exposição que faz
a Academia Pontifícia para a Vida, transcrita abaixo.
Não se deve criar falsas
expectativas, alardeadas pela mídia
Dra. Catherine Verfaille: possibilidade de transformação de CTAH
em quaisquer tipos de tecidos
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Para terminar, é preciso reafirmar o que já foi exposto
neste artigo. Os resultados das pesquisas com células-tronco são uma promessa
que se faz para o futuro, muito mais do que uma realidade presente. A ciência
deve avançar ainda muito no conhecimento de como funcionam as células-tronco,
e como controlar seu crescimento. Sua aplicação na medicina prática é ainda
muito perigosa. Por isso, quando a imprensa divulga, por exemplo, fotografias
de doentes nas galerias do Congresso Nacional, exigindo que os congressistas
aprovem leis imorais, não devemos deixar-nos impressionar por essa montagem. É dever
de um católico ter sempre presente que se deve obedecer antes a Deus que às
exigências da demagogia, ou de certos órgãos de imprensa.
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Notas:
1.
Cfr. National Institute of Health , “NIH stem cell information”.
2.
Cfr. Diane Schaub, “Science”, 18-6-04, vol. 304.
3.
Cfr. “Executive Intelligence Review”, Adult stem cells, new therapies,
no cloning, 10-5-02.
4.
Charles Krauthammer, The great stem cell hoax (O grande engano com
as células-tronco),
in www.FreeRepublic.com, primeira publicação
em 20-8-01.
5.
Cfr. “OGlobo”, 20-8-04, editorial Opinião, p.7-
6. Cfr.
Alice Teixeira Ferreira, id. ib.
7. "O
Estado de S. Paulo", 13-5-05.
8.
Cfr. “Executive Intelligence Review”, 10-5-02.
9.
Cfr. National Institute of Health, Adult stem cells, p. 4.
10.
Cfr. “Executive Intelligence Review, id. ib.
11.
Cfr. "O
Estado de S. Paulo", 7-5-05.
Veja:
http://www.catolicismo.com.br/
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