Desarmamento das pessoas de bem: afronta ao Direito Natural


20/10/2005

Cel. PM Jairo Paes de Lira
Ex-Comandante do Policiamento
Metropolitano de São Paulo

No próximo 23 de outubro, os eleitores brasileiros serão chamados a dizer, em referendo, se querem ou não a proibição total do comércio de armas de fogo e de munição em todo o território nacional


Destruição de cerca de 10 mil armas de fogo pelo Exército. As armas foram recolhidas no Distrito Federal, na região do Triângulo Mineiro e em Tocantins durante a campanha do desarmamento. É claro que não se trata de armas apreendidas de criminosos...

A maciça propaganda do cambaleante governo atualmente instalado no Planalto Central afirma que as armas de fogo são as ferramentas da criminalidade. De fato, elas são os instrumentos da maioria dos crimes de roubo, homicídio doloso (intencional) e latrocínio (matar para roubar). No entanto, tais armas são as ilegais, em mãos de criminosos, não as registradas possuídas por gente de bem. O caso dos crimes de roubo e de latrocínio não exige maior análise, pois qualquer pessoa compreende que tais atos são praticados por criminosos habituais, assim como entende que bandido não compra arma em loja, não registra arma, não declara à autoridade que possui arma e muito menos entrega arma alguma ao governo. A estudada falácia da propaganda do Governo Federal atua, pois, na vertente dos homicídios dolosos, procurando convencer, a modo de lavagem cerebral, que tais crimes ocorrem “por motivos fúteis e são praticados por pessoas comuns que conhecem e convivem com as vítimas”.

Desse modo, passa um perfil dos homicidas correspondente ao de nosso vizinho, de nosso irmão, do sapateiro da esquina. Nada mais falso. Para começar, todo crime violento tem motivação fútil. Ou será que a finalidade econômica ilegal dos roubos a mão armada pode ser considerada não-fútil? O fato de que, em geral, autor e vítima conhecem-se não decorre, exceto raramente, de relação conjugal, trabalhista, familiar ou de vizinhança. Decorre, sim, das relações intrínsecas do crime. Criminoso mata criminoso em disputa por pontos de tráfico. Traficantes de entorpecentes matam pobres vítimas do vício quando estas não podem pagar suas dívidas. Bandidos matam cidadãos comuns e policiais nos entreveros derivados de sua atividade ilícita ou para assegurar o produto do crime.

Proibir-se-á o uso de instrumentos domésticos?


Referendo sobre o desarmamento

Não estou afirmando que não ocorram homicídios por desavenças banais entre pessoas sem antecedentes criminais. Mas tal tipo de fato é estatisticamente residual e acontece até sem emprego de arma de fogo. Uma coletânea de notícias que tenho em meu poder, publicadas no curto período entre 18-05-05 e 10-06-05, demonstra que quando um ser humano toma a decisão de matar outro, pouco importa se tem uma arma de fogo. São 15 casos, em somente 23 dias, em que homicídios dolosos foram perpetrados com instrumentos como: faca de cozinha, veneno, enxada, soterramento, socos e pontapés, fogo, tábua de passar roupa, macaco hidráulico, estrangulamento, degola, rolo de macarrão. Não creio que passe pela cabeça de pessoa sensata alguma proibir a fabricação desses instrumentos, que não são projetados para matar, mas podem ser usados como armas. Ademais, nos raros casos passionais, mesmo as armas de fogo utilizadas quase nunca são as registradas, mas as ilegais.

Resta o aspecto dos acidentes, que sem dúvida acontecem. Um estudo de Steven Leavitt, reconhecido pesquisador da Universidade de Chicago, recém-publicado no livro Freakanomics [Excentricidades econômicas], demonstrou que, em termos de acidentes envolvendo crianças, as piscinas domésticas são 100 vezes mais letais do que as armas de fogo possuídas pelos pais. Imagino o que pensaria o cidadão comum a esse respeito: devem-se proibir as piscinas?

Não para desarmar o criminoso, mas o cidadão honesto


O Governo Federal mudou de tática: passou a afirmar que a lei de desarmamento não viera para desarmar os criminosos, trabalho que competia à Polícia, mas para desarmar mesmo as pessoas de bem

O chamado Estatuto do Desarmamento foi “vendido” à população como uma panacéia para acabar com o crime violento. Logo depois, ao perceber que essa idéia-força não funcionava — pois, exceto em São Paulo, os índices continuaram a subir, tendo como caso mais extremo o da cidade do Rio de Janeiro — o Governo Federal mudou de tática: passou a afirmar que a lei não viera para desarmar os criminoso, trabalho que competia à Polícia, mas para desarmar mesmo as pessoas de bem, a fim de evitar os tais “crimes de relacionamento”. Esse tratamento da questão, constatável nas entrevistas de autoridades, especialmente do Ministro da Justiça, é mais do que suficiente para evidenciar que, como diziam os nossos avós, o povo “comprou gato por lebre” ao receber de seus legisladores o tal Estatuto. Se vingar a proibição de comércio, a ser votada no referendo do próximo dia 23, só se produzirá resultado contra o cidadão de bem, aquele homem ou aquela mulher que, atendendo aos requisitos restritivos da lei (ausência de antecedente criminal, habilitação técnica e adequado perfil psicológico), sinta-se com disposição de possuir uma arma de fogo para defender, nos casos extremos em que a Força Pública não possa socorrê-lo, a própria vida e a vida de pessoas de sua família.

Os criminosos, compete à Polícia desarmá-los, é claro; mas, em sã consciência, pela responsabilidade social e ética que me conferem os meus 35 anos de combate ao crime, devo dizer aos concidadãos brasileiros que é impossível à Força Policial garantir a vida, a incolumidade física e a propriedade de todas as pessoas de bem, em todas as partes e por todo o tempo. Sempre haverá uma ocasião em que algum cidadão, na iminência de sofrer crime por parte de criminosos armados, não conte com o socorro do Estado. E é em tais momentos críticos que advogamos a todos o inalienável direito de autodefesa, nos limites da lei.

Crime violento diminui nas comunidades armadas

Os estudos de Lott e Mustard, da Universidade de Chicago, demonstraram que o crime violento diminui nas comunidades armadas, porque o bandido avalia os riscos e opta por procurar vítimas sem capacidade de autodefesa, ou busca o crime patrimonial não-violento, muito mais tolerável sob o ponto de vista social. E os estudos de Wright e Rossi, da Universidade de Massachusetts, demonstraram que os criminosos, não importa o nível de controle exercido pelo Estado, sempre conseguem as armas de fogo com que agridem a sociedade. Já ao cidadão honesto, o que restará? Depender totalmente do Estado. Mas, se o Estado em armas lhe falhar, o que acabará por acontecer, será um cordeiro entre feras: lobos que já estão, garanto-lhes, afiando os dentes.

O Estado não pode arrogar-se em monopólio da coragem

Não posso, ademais, deixar de levantar a questão mais crucial: o Estado não tem direito de tutelar a disposição humana para o enfrentamento do perigo; não pode arrogar-se o monopólio da coragem. Qualquer pessoa de bem que atenda aos restritivos requisitos da lei pode exercer o direito natural à autodefesa e à defesa dos seus. Ainda que isso caro lhe custe. O que seria de uma nação cujos cidadãos fossem todos educados para a repulsa às armas e ao direito de defesa? Quem iria às fileiras da Força Pública? Como mobilizá-los em defesa da Pátria ou das instituições, se não restarem senão pessoas que tenham medo de armas e que aceitem a paz a qualquer custo, mesmo que seja a escravidão, a dominação estrangeira, a sufocação da liberdade, a tranqüilidade própria dos mausoléus? É a isso — a emasculação nacional — que condenaremos o nosso País, em curto prazo, se as pessoas dispostas a defender-se passarem às páginas da História.

Paz e liberdade só serão asseguradas por gente honesta


Combater o crime é investir nas forças que nos defendem. É aparelhar a Polícia. É unir a Força Pública ao povo de modo estreito e indissolúvel.

A violência, em todas as suas facetas, é um mal social. Também nós, que defendemos o direito à legítima defesa, compartilhamos do sonho de extirpá-la totalmente. A diferença entre nós e os autoproclamados pacifistas é que sabemos que a cultura da paz está muito distante no tempo. No momento, e nas décadas que viverão nossos filhos e netos, a paz e a liberdade só poderão ser asseguradas por gente de bem, armada até os dentes. Não se entende por que as armas dos bravos policiais que nos protegem em nossas cidades, dos bravos soldados brasileiros que correm risco de vida na Força de Paz do Haiti, são consideradas instrumentos de pacificação — e o são! — enquanto as armas em poder de cidadãos comuns, gente de bem que também constrói nossa Nação, são tachadas de instrumentos malignos. O mal disfarçado projeto totalitário do atual poder talvez explique essa espécie de dialética.

Direito à legítima defesa por meio de armas

Combater o crime é investir nas forças que nos defendem. É aparelhar a Polícia, formar policiais com qualidade cada vez maior e pagar-lhes salários dignos, não os de fome que são a regra em nossos Estados. É unir a Força Pública ao povo de modo estreito e indissolúvel. É impedir a cooptação de nossa juventude pelo crime organizado, oferecendo aos jovens, por meio das políticas públicas adequadas, oportunidades reais no mercado de trabalho e na vida associativa. É acabar de vez com a legislação penal e processual penal leniente, que favorece a impunidade, reforçando o Ministério Público e o Poder Judiciário. Mas certamente não é desarmar os cidadãos de bem, eles mesmos frentes individuais de resistência à arrogância dos criminosos.

Para terminar, relembro textualmente a Constituição Pastoral Gaudium et Spes e o Catecismo da Santa Madre Igreja: "Em um mundo marcado pelo mal e pelo pecado, existe o direito à legítima defesa por meio de armas. Esse direito pode tornar-se um dever grave para quem é responsável pela vida dos outros, pelo bem comum da família ou da comunidade civil.”

Veja:
http://www.catolicismo.com.br

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