Colaboração de clérigos com o regime comunista causa assombro na Polônia e no exterior
13/02/2007
Luis Dufaur
Coexistência da Igreja com o Estado comunista levou bispos, sacerdotes
e leigos progressistas a se tornarem agentes da polícia secreta. Se tivessem
dado atenção à denúncia de Plinio Corrêa de
Oliveira, a história teria sido outra. Ainda é tempo de corrigirem
o rumo. Desejarão fazê-lo?
Mons. Wielgus:
renúncia espantosa |
Imensa expectativa pairava
no ar quando entrou na catedral de Varsóvia
o solene cortejo dos bispos no último dia 7 de janeiro. Bem elevado,
no centro, o trono arquiepiscopal foi ocupado pelo resignatário Cardeal
Glemp. À sua direita, tomou lugar quem deveria sucedê-lo: Mons.
Stanislaw Wielgus. O presidente do país, Lech Kascinsky, autoridades
civis e eclesiásticas preenchiam os lugares de honra e os primeiros
bancos da nave. O povo lotava a catedral e adjacências.
Cenas da cerimônia
do dia 7 de janeiro: o presidente Lech Kascinsky faz genuflexão
na catedral. |
A
tensão cresceu quando D. Wielgus anunciou pausadamente que meia hora
antes renunciara à arquidiocese da qual devia tomar posse naquela cerimônia,
e que a Santa Sé tinha aceito a demissão. O presidente polonês
aplaudiu, vários o acompanharam, mas a gritaria e o cântico de
slogans os sobrepujou. Uns aprovavam a renúncia, outros bradavam: “Não!
Vergonha! Fica!” O episódio marcou época na lamentável
história da “autodemolição” da Igreja, da
qual falou Paulo VI.
Arcebispo designado de
Varsóvia
foi agente secreto comunista
Todos conheciam os motivos
dessa
renúncia, mas nunca se vira algo semelhante.
O público aplaude
as palavras de renúncia de Mons. Stanislaw Wielgus... |
Uma comissão de inquérito da Igreja reconhecera na antevéspera
que “numerosos documentos importantes confirmam que o Pe. Stanislaw Wielgus
se declarou disposto a colaborar de modo consciente e secreto com os órgãos
de segurança comunistas, e que ele pôs em prática essa
colaboração”.(1) “Não há dúvida
alguma: o sacerdote colaborou com os serviços de informação
comunista”, confirmou o historiador Andrzej Paczkowski, membro da comissão
do governo que compulsou os arquivos da polícia secreta SB (Sluzba Bezpieczenstwa,
ou Serviços de Segurança, correspondente polonesa da sinistra
KGB soviética). Os arquivos são hoje conservados pelo Instituto
da Memória Nacional.(2) Ali consta que o prelado recebeu “formação
especial para agentes” e agia sob os pseudônimos “Grey”, “Adam” e “Adam
Wysocki”.(3)
Em agosto de 2006, o episcopado
polonês definira que a colaboração
com a polícia política foi “pecado grave”.(4) De
fato, a SB foi responsável por inúmeras intimidações
e violências que incluem até a prisão, tortura e morte
de católicos anticomunistas, como o Pe. Jerzy Popieluszko, atrozmente
martirizado em 1984.
Arcebispo nega, mas por fim reconhece que mentiu
...que aparece sentado
ao lado do trono vazio que deveria ocupar. |
Assim
que D. Wielgus foi designado arcebispo de Varsóvia, os mais sérios
ambientes católicos alertaram para o passado de colaboração
do prelado. De início, ele negou todas as denúncias. Em seu favor
circulou um comunicado do Vaticano, de 21 de dezembro, segundo o qual “o
Papa depositara toda a confiança em Mons. Stanislaw Wielgus, e em plena
consciência lhe confiara a missão de pastor da arquidiocese de
Varsóvia”.(5). Porém, em janeiro, o Cardeal Re, prefeito
da Congregação dos Bispos, disse ao diário “Corriere
della Sera” que, “quando Mons. Wielgus foi nomeado, nós
não conhecíamos sua colaboração com o serviço
secreto comunista”.(6) Estas declarações patentearam o
quanto o ocorrido desconcertou a Hierarquia eclesiástica polonesa e
o Vaticano.
Posto diante das evidências, D. Wielgus reconheceu, primeiramente, ter
assinado – disse ele: sob pressão e “num momento de fraqueza”(7) – papéis
da SB antes de uma viagem de estudos à Alemanha, em 1978. Segundo o
periódico parisiense “Le Figaro”, para essa viagem o religioso
recebeu uma bolsa da polícia secreta.(8)
Por fim, o prelado escreveu
carta aos fiéis dizendo: “Confesso
o erro que cometi há anos, exatamente como confessei ao Santo Padre”,(9)
acrescentando que “por causa desse engajamento, fiz mal à Igreja.
[...] Fiz mal à Igreja mais uma vez ainda quando, nestes últimos
dias, em meio a uma campanha midiática intensa, neguei dita colaboração”.(10)
Parte do clero polonês foi agente da polícia
secreta
Arquivos da polícia
secreta SB (Sluzba Bezpiec-zenstwa, ou Serviços de Segurança,
correspondente polonesa da sinistra KGB soviética). |
É fato assente na Polônia que entre 10% e 15% do clero ingressou
no esquema de repressão comunista. A quase totalidade desses clérigos
trabalhava nas cúrias e nos seminários. Em Moscou, o pope (clérigo
da igreja cismática russa) Gleb Yakunin, especialista nas relações
entre a Igreja e os serviços secretos russos (KGB), explicou que a proporção
não espanta, pois “era impossível fazer carreira (sic!)
sem passar pela KGB. No interior, nas paróquias menos importantes, os
agentes talvez fossem apenas 10 ou 20%. Mas à medida que se ascendia
na Hierarquia, essa percentagem aumentava vertiginosamente. Não se ficava
bispo sem o consentimento dos serviços secretos”.(11)
Interrogado especificamente
sobre a Hierarquia católica, acrescentou: “Acredito
que muitos fossem agentes duplos: o Vaticano sabia de sua colaboração
com a KGB. [...] Eram traidores, eram Judas. O dano para a Igreja foi enorme.
Só progrediam os que se vendiam. Os limpos eram postos de lado, porque
não eram manipuláveis”.(12)
Revelações espantosas sobre eclesiásticos
progressistas
Os arquivos são
hoje conservados pelo Instituto da Memória Nacional (fotos colhidas
da transmissão da TV francesa) |
O
Padre Tadeusz Isakowicz-Zaleski, da diocese de Cracóvia, vítima
de violência da polícia secreta, quis depois conhecer os autores
das denúncias contra sua pessoa e detectou nos arquivos os nomes de
dois sacerdotes. Aprofundando o estudo, identificou 39 padres da diocese, quatro
dos quais agora são bispos, que serviam na polícia secreta polonesa,
a SB. O Cardeal de Cracóvia, D. Stanislaw Dziwisz, proibiu-lhe divulgar
as descobertas, mas após o caso de D. Wielgus o Padre Tadeuz anunciou
que publicará livro com os resultados de sua pesquisa.
Nos mesmos dias, demitiu-se
o Padre Janusz Bielanski, reitor da catedral de Cracóvia, em razão de tal colaboração.(13)
Segundo a revista norte-americana “Newsweek”, também teria
sido “colaborador secreto” o Padre Michael Jagosz, chefe da comissão
histórica na causa para a beatificação de S.S. João
Paulo II.(14)
O primaz da Polônia
Stefan Wyszynski (dir), ao lado do cardeal Karol Wojtyla, futuro Papa
João Paulo II |
O
jornal “Dziennik” informou a existência de uma “operação
primaz”, montada em 1978 pela polícia secreta, com o envolvimento
de 12 bispos — mencionados com seus “nomes de guerra” na
SB — visando “nomear Papa o bispo mais próximo às
necessidades do poder totalitário comunista e indicar o sucessor do
primaz Stefan Wyszynski”.(15)
As suspeitas e denúncias não envolvem só eclesiásticos,
mas também associações de leigos progressistas como a “Pax” da
Polônia e/ou grupos em outros países, como “Sacerdotes pela
paz” da Hungria e “Pacem in terris” da Checoslováquia”.(16)
O Cardeal Miloslav Vlk,
primaz da República Checa, recomendou a sacerdotes
e bispos poloneses realizarem uma peregrinação nacional de penitência
ao santuário de Czestochowa, Padroeira da Polônia, para reconhecer
suas culpas e pedir perdão a Deus e à Igreja. Também na
República Checa e na Eslováquia, centenas de sacerdotes são
suspeitos de terem colaborado com o comunismo. Mons. Frantisek Lobkowicz, bispo
de Ostrava-Opava, renunciou por essa razão.(17)
À luz destes fatos compreende-se que, em 12 de janeiro último,
45 bispos poloneses reunidos em sessão extraordinária tenham
decidido por unanimidade fazer luz sobre o passado do conjunto do clero polonês.(18)
Não há desejo de vingança,
mas sede da verdade
Há tempos germinava no catolicismo polonês o desejo de esclarecer
os casos de clérigos que serviram à ditadura comunista. A nomeação
de D. Wielgus foi a faísca que desatou o incêndio. Segundo Georges
Mink, membro do CNRS e professor no Collège d'Europe em Natolin (Polônia),
está na fonte desse desejo uma nova geração de jovens
líderes da sociedade, profundamente católicos, de “mãos
limpas” e sem concessões, que pensam ter chegado a época
de elucidar um passado que pesa nas consciências. Não há nisso
intenção de debilitar a influência da Igreja, mas sim o
fato de que “os poloneses estão mais do que nunca sedentos da
verdade”, acrescentou Mink.(19)
Também parece chegado o momento de tirar do silêncio a lembrança
de muitos heróis eclesiásticos e leigos que padeceram sob o comunismo
por recusarem qualquer pacto ou colaboração. Estes, com seu exemplo,
mantiveram alta a honra da Igreja naqueles dias dificílimos, na Polônia
e alhures. Alguns foram altos prelados, como o Bem-aventurado Cardeal de Zagreb
Aloísio Stepinac, ou o heróico Cardeal de Eztergom, Josef Mindszenty.
Outros foram simples sacerdotes e leigos. Mas todos, com seu sangue e suas
lágrimas, emularam e talvez superaram a epopéia dos mártires
dos primeiros séculos do cristianismo. Porém, sobre eles pesa
o silêncio e a antipatia incomodada do progressismo católico.
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Veja:
http://www.catolicismo.com.br/
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