Colaboração de clérigos com o regime comunista causa assombro na Polônia e no exterior
13/02/2007
Luis Dufaur
Polônia: “modelo” de acordo entre a Igreja e o comunismo
O acordo de coexistência, acertado na época por eclesiásticos
poloneses com o comunismo, alcançou projeção mundial.
Disso decorre a repercussão do caso em foco.
Com efeito, após a II Guerra Mundial o comunismo soviético sentiu
a impossibilidade de assentar seu domínio sobre povos católicos
subjugados como a Polônia, ou sobre aqueles que tentava conquistar, como
o Brasil.
Sobretudo se desencadeasse contra
eles uma perseguição neroniana — muito
de acordo com o espírito marxista. O regime soviético, porém,
velhacamente propôs um acordo: o comunismo não perseguiria a Igreja
em troca de um “mínimo”. Esse “mínimo” consistia
em que a Igreja silenciasse o ensino da doutrina sobre a propriedade privada — portanto,
de dois Mandamentos da Lei de Deus: o 7º “Não roubarás” e
o 10º “Não cobiçarás os bens alheios”.
Assim, a Igreja cessaria a luta ostensiva contra o socialismo e o comunismo,
e em troca desfrutaria de liberdade para celebrar a liturgia e distribuir os
sacramentos.
O país por excelência para tentar esse acordo foi a Polônia,
por ter a população mais fervorosa e compactamente católica
de além Cortina de Ferro. A igreja polonesa era liderada pelo Cardeal
Stefan Wyszynski, sagaz arcebispo de Varsóvia que aceitou a proposta
anticristã, disposto a defender a mínima área de liberdade
que lhe ofereciam os negociadores do Kremlin. A URSS contava com que a convivência
pacífica dos católicos num regime socialista acostumá-los-ia
ao comunismo e operaria neles uma ateização prática.
Obtido sucesso na Polônia, este pérfido artifício iria
sendo aplicado — e aliás o foi em larga medida — nos outros
países do Leste Europeu. A propaganda marxista poderia também
apresentar o “modelo polonês” aos católicos da Europa
Ocidental, onde poderosos Partidos Comunistas estendiam a mão a democrata-cristãos
e congêneres, predispostos a pactuar ao invés de enfrentar a Rússia,
intimidados pela eventualidade de um conflito nuclear.
A miragem de um acordo entre o comunismo
e a Igreja seduziu os cristãos
progressistas na América Latina, notadamente no Brasil. Exemplo vivo
dessa sedução é a infeliz Cuba de Fidel Castro. Ainda
hoje aquela ilha é o ponto de referência da cooperação
entre o comunismo subversivo e miserabilista com o progressismo.
Com isso o progressismo foi “evoluindo”, até tornar-se
inimigo visceral da propriedade privada, como se constata na atuação
de certos órgãos emanados da CNBB, como as CEBs, o MST, a CPT,
o CIMI e análogos, ou na pregação de teólogos da
libertação como frei Betto, o ex-frei Leonardo Boff, o Padre
Gustavo Gutiérrez, etc.
Os dramáticos fatos ocorridos na Polônia patentearam a que aviltamentos
conduz semelhante acordo dos católicos com o comunismo.
Denúncia profética de Plinio Corrêa
de Oliveira
Plinio Corrêa
de Oliveira segura um exemplar da revista “Kierunki”. Sua
denúncia, contida no livro Acordo com o regime comunista: para
a Igreja, esperança ou autodemolição?, varou a Cortina
de Ferro e teve larga difusão mesmo na Polônia, a ponto
de revistas católicas colaboracionistas como “Kierunki” e “Zycie
i Mysl”, do movimento Pax — hoje envolvido no atual escândalo — terem
tentado refutá-la. |
Discernindo,
já na época, o estratagema do comunismo, o Professor
Plinio Corrêa de Oliveira redigiu um ensaio-denúncia que hoje, à luz
dessas ocorrências, não pode ser rotulado senão de profético.
Tal obra intitula-se: Acordo com
o regime comunista: para a Igreja, esperança
ou autodemolição?. Publicada originalmente em edição
especial de Catolicismo (nº 152, agosto de 1963) — com o título
de A liberdade da Igreja no Estado comunista –– alcançou
77 edições, com um total de 339.300 exemplares em 13 países.
Em suas páginas se demonstra que é inaceitável para os
católicos, moral e doutrinariamente, o acordo proposto pelos comunistas,
ainda que se devesse enfrentar o risco de um embate atômico.
A denúncia varou a Cortina de Ferro e teve larga difusão mesmo
na Polônia, a ponto de revistas católicas colaboracionistas como "Kierunki" e "Zycie
i Mysl", do movimento Pax — hoje envolvido no atual escândalo — terem
tentado refutá-la. O Prof. Plinio treplicou pelas páginas de
Catolicismo (nºs 162 e 170, de junho de 1964 e fevereiro de 1965), mostrando
a vacuidade dos sofismas dos adversários e o empenho deles em desacreditar
o referido ensaio ante os católicos poloneses anticomunistas.
Quem relê hoje as páginas dessa polêmica não pode
se furtar à convicção de folhear páginas de glória
da Igreja, epicamente defendida com suma fidelidade por um dos seus mais entranhados
filhos, no momento em que numerosos membros da Hierarquia eram envolvidos ou
coniventes no traiçoeiro acordo.
Elencar todas as iniciativas anticomunistas
e anticolaboracionistas empreendidas por Plinio Corrêa de Oliveira, na continuidade daquela histórica
denúncia, exigiria um livro de notáveis proporções.
Para cingirmo-nos aos limites de um artigo, seja-nos permitido mencionar apenas
uma.
Nobre e respeitoso apelo aos colaboracionistas
Desenho simbólico
no Muro de Berlim: das bocas de muitos rostos parece sair o clamor do
descontentamento |
Trata-se
do penetrante e fraterno apelo feito pelo Prof. Plinio aos católicos
que sucumbiram à tentação do acordo.
Ele o fez na perspectiva do “Descontentamento” — com “D” maiúsculo — que
haveria de surgir na orla do III milênio em relação àqueles
que cooperaram com o regime comunista. O autor previa que esse “Descontentamento” — “um
só, um imenso, um tonitruante brado de indignação dos
povos escravizados e opressos” — interpelaria não só as
nomenklaturas comunistas responsáveis diretas de desgraça tão
imensa, mas também os colaboracionistas, voluntários ou não,
ingênuos ou moles, do comunismo no Ocidente; os inocentes úteis — clérigos,
burgueses e políticos que não atacavam o comunismo, mas mantinham
um incessante dilúvio de difamações contra as organizações
anticomunistas.
Na hora de abordar essa desastrosa
colaboração dos católicos
progressistas com o Leviatã anticatólico, seu amor acendrado à Igreja
e à Sagrada Hierarquia inspirou-lhe as seguintes palavras:
“A vós, diletos irmãos na Fé, a cuja vigilância
a falácia comunista transviou ou está em via de transviar, não
faremos uma só interpelação. De nosso coração
sempre sereno parte, rumo a vós, um apelo repassado de ardoroso afeto
in Christo Domino: diante do quadro terrível que nestes dias se esboça
a vossos olhos, reconhecei, pelo menos hoje, que fostes ludibriados. Queimai
o que ajudáveis a vencer. E combatei ao lado daqueles que ainda hoje
ajudais a ‘queimar’.
“Sinceramente, categoricamente, sem ambigüidades tendenciosas,
mas com a franqueza tão enormemente respeitável que é inerente à contrição
humilde, voltai vossas costas para os que cruelmente vos têm enganado.
E ponde em nós vosso olhar, serenado e fraterno, de irmãos na
Fé.
“Este é o apelo que vos fazemos hoje. Ele exprime nossas disposições
de sempre, as de ontem como as de amanhã. [...] Nossa voz se carrega
de emoção, a veneração a embarga, nossos olhos
filiais e reverentes se levantam agora a Vós, ó pastores veneráveis
que dissentistes de nós. Onde encontrar as palavras de afeto e de respeito
próprias a depositar em vossas mãos — em vossos corações — em
um momento como este?
“Melhores não as podemos encontrar senão, mutatis mutandis,
nas próprias palavras que, em 1974, dirigimos ao hoje falecido Paulo
VI [‘Nossa alma é vossa, nossa vida é vossa. Mandai-nos
o que quiserdes. Só não nos mandeis que cruzemos os braços
diante do lobo vermelho que investe. A isto nossa consciência se opõe’].
“Pronunciamo-las genuflexos, pedindo vossas bênçãos
e vossas orações”.(20)
Esse nobre e respeitoso apelo: hoje mais atual do que nunca
Pouco mais de uma década após o passamento do insigne pensador
e líder católico, seu apelo aos fautores do acordo com o comunismo
afigura-se atualíssimo. Na dificuldade extrema dessa desastrada política
de contemporizações, prestarão eles ouvidos a tão
pungente chamado? Ou continuarão em seu misterioso e endurecido silêncio
face a quem, numa hora em que outros teriam aproveitado para se vangloriar,
voltou-se para eles com tanta magnanimidade e lealdade, movido exclusivamente
por um entranhado amor à Igreja?
_________________
Notas:
1. AFP, 6-1-07.
2, “Le Monde”, Paris,
6-1-07.
3. AFP, 5-1-07.
4. “Le Monde”, 8-1-07.
5. “Le Monde”, 6-1-07.
6. CNA Press, 11-1-07.
7. “The New York Times”,
6-1-07.
8. “Le Figaro”, Paris,
6-1-07.
9. “The New York Times”,
6-1-07.
10. “Le Monde”, 6-1-07.
11 “Il Corriere della Sera”, Milão,
9-1-07.
12 Id., ibid.
13. ACI Prensa, 8-1-07.
14. “Il Giornale”, Milão,12-1-07.
15. “Il Giornale”, Milão,
9-1-07.
16. “Le Monde”, 9-1-07.
17. “Prague Daily Monitor”,
Praga, 11-1-07.
18. “La Croix”, Paris,
14-1-07.
19. http://www.lemonde.fr/web/son/0,54-0@2-3214,63-852935@51-848185,0.html.
20. Comunismo e anticomunismo na
orla da última década deste
milênio, “Folha de S.Paulo”, 14-2-90.
Páginas: 1 2
Veja:
http://www.catolicismo.com.br/
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